Reza a lenda que, certa feita, Mário Henrique Simonsen, então ministro da Fazenda, procurado por um ministro que defendia um projeto duvidoso, teria respondido: “Fulano, tira teus 10%, mas não faz a obra, que assim o prejuízo é menor”. Em escala muito maior, foi o que se viu com os investimentos feitos pela Petrobras sob a inspiração do esquema de corrupção desvendado pela Lava-Jato: o prejuízo para a empresa, de quase R$ 100 bilhões, superou em muito o que acabou no bolso dos participantes do esquema.
Essa história me veio à mente lendo a entrevista com Edmar Bacha em “O Estado de S. Paulo” de domingo passado. Nela Bacha defende a abertura da economia ao exterior como sendo a “mãe de todas as reformas”, “o grande indutor do crescimento e das demais reformas” nas áreas tributária, educacional e de infraestrutura. Observa ele que ao “expor nossas empresas à concorrência internacional e forçá-las a serem eficientes para sobreviver, criaremos foco no custo Brasil”.
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A maior integração do Brasil à economia mundial é uma bandeira antiga de muitos economistas. É também um ponto defendido em dois relatórios recentes de organizações multilaterais, um da OCDE (https://bit.ly/2q3Ji5V) e outro do Banco Mundial (https://bit.ly/2HIBpdd). O ponto de partida de ambos é bem direto: o Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo, com fluxo de comércio (exportações mais importações) pouco acima de 20% do PIB, contra cerca de 100% para a média dos países da OCDE.
Quem defende abrir a economia enfatiza os ganhos que a maior integração internacional traria. Isso se daria pelo maior acesso a bens de capital e insumos mais baratos e com modernas tecnologias, mais oportunidade de especialização e de explorar economias de escala, maior pressão competitiva etc. A maior abertura também permitiria às empresas brasileiras participar das cadeias globais de valor, elevando sua competitividade. Tudo isso faria a produtividade crescer mais rápido e melhoraria a distribuição de renda, pois os preços relativos de bens de consumo cairiam, beneficiando mais as pessoas de mais baixa renda, como ocorreu com a abertura dos anos 1990.
Abrir a economia exige mudar significativamente várias dimensões da política econômica. Uma dessas mudanças, claro, envolve baixar as elevadas tarifas de importação. A OCDE observa que o “Brasil tem o número mais alto de linhas tarifárias acima de 10% entre os mercados emergentes”. As barreiras não tarifárias também são altas e generalizadas. Estão aí incluídas regras de conteúdo local, medidas antidumping, e subsídios do BNDES para produtos locais.
Há também barreiras relacionadas a especificações técnicas e preferências tributárias para a produção doméstica, como no programa Inovar Auto. As barreiras não se aplicam apenas a bens, mas também ao comércio de serviços, como Bacha nota na entrevista. É o caso dos setores financeiro e de serviços jurídicos, de comunicações e de engenharia e arquitetura, que também precisam ser abertos à concorrência externa.
O ponto central de Bacha é que há uma simbiose negativa entre essa miríade de proteções e barreiras à competição e as muitas ineficiências que limitam a competitividade e o crescimento da produtividade no Brasil. Na medida em que não precisam competir, ou que competem apenas com quem também esbarra no custo Brasil, as empresas inovam pouco e pressionam de menos pela melhoria da qualificação dos trabalhadores, da infraestrutura, do sistema tributário etc. O que a experiência mostra é que, na ausência de pressão competitiva, nem a eficiência aumenta, nem se forma uma coalizão forte o suficiente para promover as reformas que o país precisa.
Entre as ineficiências protegidas pela baixa integração à economia mundial estão os desperdícios resultantes de investimentos feitos por motivos duvidosos. De fato, a corrupção é um dos principais componentes do custo Brasil, distorcendo incentivos, a alocação de recursos etc. E em grande parte ela sobrevive graças à falta de competição. Sem a proteção contra a concorrência seria intolerável conviver com perdas do tamanho das que a Lava-Jato identificou. As próprias medidas de proteção, pela sua alta discricionariedade, são uma porta aberta a esquemas pouco republicanos. O Brasil não precisa disso.
Também por estas razões acho que Bacha está correto em defender a abertura como uma reforma essencial. É hora de derrubar barreiras tarifárias, regulatórias e tributárias à integração com o resto do mundo, adotando políticas mais uniformes entre setores e produtos. E creio que, ao contrário do que às vezes se pensa, a postura protecionista de Donald Trump pode ser uma vantagem e não um problema. Isso porque ela aumentou a motivação dos demais países para buscar acordos de livre comércio. É uma oportunidade que não deveríamos desperdiçar.
Fonte: “Valor Econômico”, 06/04/2018