Um grupo de motoristas-segurança, auxiliares administrativos e auxiliares de serviço do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) ganha salários que podem superar o de um juiz em início de carreira e até, em alguns casos, se igualar ao de um governador de estado. Um levantamento feito por “O Globo”, que teve acesso à folha de pagamentos de outubro do órgão de fiscalização, revela que os vencimentos do corpo de funcionários do tribunal batem longe os pisos de várias categorias profissionais e contrastam com a crise do estado. Com base em uma amostragem de 500 nomes, foi possível constatar que 94% do total recebem salários brutos superiores a R$ 20 mil.
Somente entre o contingente de funcionários de cargos que exigem ensino fundamental, caso dos motoristas-segurança, auxiliares administrativos e auxiliares de serviço — um total de 121 profissionais —, os vencimentos oscilam entre R$ 18 mil e R$ 32 mil por mês. Para comparação, um juiz em início de carreira ganha R$ 26.125,17. Já o governador Luiz Fernando Pezão recebe atualmente R$ 28.719, o equivalente a 85,22% dos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Hoje, o teto salarial de um membro do STF é R$ 33,7 mil. O TCE explica que muitos desses funcionários entraram sem concurso em 1985. O tribunal também garante que os vencimentos acima do teto são submetidos ao redutor salarial, previsto na Constituição.
Benefícios engordam salários– Alguns salários de motoristas são tão vultuosos que, em outubro, chegaram aos R$ 32 mil. Um valor 27 vezes maior que o pago a um motorista, por exemplo, da iniciativa privada. Segundo o Sindicato dos Rodoviários do Município do Rio de Janeiro, o salário mensal para oito horas diárias de direção é de R$ 1.127. Mesmo o início de carreira de um motorista no tribunal já causa inveja a um médico recém-formado, por exemplo. Pela tabela de remuneração do órgão, ele começa ganhando R$ 8.225, sendo R$ 4.446 de salário base e mais R$ 3.779 de gratificações especiais.
Além dos altos salários, os funcionários do tribunal também têm direito a auxílio-saúde de R$ 600; alimentação, de R$ 880; e locomoção, de R$ 260. Também são acrescentadas aos salários as gratificações especiais.
Os dados obtidos pelo jornal foram publicados no site do TCE, na semana passada. A medida foi tomada para cumprir a Lei da Transparência, que desde 2011 determina que a remuneração dos servidores públicos seja acessível a todo cidadão. “O Globo” já havia solicitado ao TCE, desde maio, o acesso à folha de pagamento do órgão, pedido que vinha sendo negado. A alegação da Ouvidoria era que as informações eram de caráter sigiloso. No entanto, 26 tribunais de contas do país já divulgavam esses dados, com exceção apenas de Alagoas e Mato Grosso.
No site, é possível o acesso à folha de pagamentos de mais de 1.600 funcionários. A lista, no entanto, não é editável e é preciso fazer um cadastro, cujo acesso só é liberado durante 24 horas. Ao final desse prazo, o usuário precisa fazer um novo cadastramento.
Na lista de funcionários do TCE, também foram identificados 16 funcionários com cargos de técnicos (com ensino médio) que ganham salário bruto entre R$ 23 mil e R$ 35 mil. Esse valor supera até mesmo os vencimentos de um conselheiro ou procurador, que estão em torno de R$ 30 mil.
Segundo fontes do próprio TCE, esses salários brutos da folha de outubro também incluiriam pagamentos de diárias, como por exemplo em casos de viagens para inspeções em municípios a mais de cem quilômetros de distância do Rio. Quando o servidor se ausenta por cinco dias da corte, recebe cerca de R$ 1.400.
O próprio TCE alega que a maior parte dos funcionários identificados por “O Globo” entrou para seus quadros no período de 1983 a 1985, ou seja, antes da Constituição Federal de 1988, que tornou obrigatório o ingresso no serviço público através de concurso. De acordo com o tribunal, os funcionários obtiveram a estabilidade e, ao longo do tempo, incorporaram gratificações, à época, legais.
O TCE não informou a função exata ou mesmo a carga horária dos motoristas-segurança, auxiliares administrativos e auxiliares de serviço. Mas, segundo funcionários que pediram para não serem identificados, eles atuam nas áreas de transporte de pessoal, vigilância e manutenção, em serviços elétricos e de carpintaria.
Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira afirma que a explicação do TCE para os altos salários de funcionários de primeiro grau (motorista-segurança e auxiliares) se refere a uma herança produzida por distorções na legislação que vigorou até 1996. Na época, era permitido a qualquer agente público ocupar funções, inclusive comissionadas, com valores elevados e muito acima da complexidade do cargo original. Segundo Lucieni, essas distorções foram extintas após a mudança da lei.
— Esses salários são incompatíveis com a natureza do cargo e com a responsabilidade porque a lei permitia distorções — observa.
Especialista em administração pública e economista, Carlos José Guimarães diz que os altos salários pagos pelo TCE se baseiam na cultura do “deixa como está para ver como é que fica”:
— Não existem apenas os direitos adquiridos, mas sim os privilégios adquiridos. Só o tempo, com a extinção desses vínculos, poderá acabar com esse tipo de coisa.
O presidente do Sindicato dos Servidores do Tribunal de Contas, Luiz Fonseca Magalhães, não quis comentar o caso e se limitou a informar que considera um avanço a divulgação dos salários na internet.
Histórico de polêmicas– O pagamento de altos salários no TCE causou perplexidade quando, em outubro do ano passado, veio à tona que o conselheiro Júlio Rabello tinha contratado sua professora de educação física, que ganhava R$ 9 mil por mês. Na época, a informação era que a funcionária dava duas horas de aulas diariamente para o conselheiro e sua mulher. A professora acabou sendo exonerada. Mas, em janeiro, uma sindicância do próprio tribunal concluiu que não houve irregularidade na contratação da personal trainer. Rabello morreu em maio deste ano.
Os salários do tribunal transformaram numa verdadeira batalha política a disputa por uma indicação para a vaga de conselheiro. Atualmente, o cargo, que é vitalício, é cobiçado por dois nomes do PMDB: o ex-presidente da Alerj e atual secretário de governo, Paulo Melo, e o líder do governo, deputado Edson Albertassi.
Oito candidatos apresentaram seus nomes em abril para ter o privilégio de conquistar uma vaga de conselheiro. O cargo traz a reboque salário de mais de R$ 30 mil, além de auxílios moradia (R$ 4.377,73), alimentação (R$ 880), saúde (até R$ 600) e educação de R$ 970 por dependente em idade escolar (máximo de 3 filhos). Isso sem contar que o conselheiro pode nomear até 20 assessores para cargos de confiança (sem concurso) e ainda convocar 35 funcionários de carreira para seus gabinetes.
Entre os últimos a conseguir a vaga, estão o deputado estadual Domingos Brazão (PMDB), que era citado numa ação por improbidade administrativa e tinha sido acusado pelo TRE de captação de sufrágio (compra de votos), e Marianna Montebello, filha do presidente do TCM, Thiers Montebello.
Fonte: O Globo
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