Existe um forte movimento para derrubar Dilma Rousseff. O movimento labial. Dela própria. Os índices de desaprovação da presidente batem todos os recordes e, para piorar, os insatisfeitos vão às ruas caudalosamente para protestar contra a governante. Esta, de seu lado, não se ajuda. Suas falas de improviso – imprevisíveis e imprevidentes – conspiram contra ela própria a todo momento. Os improvisos de Dilma constituem um fator sério de embaraço para o governo dela. Talvez sejam o fator mais grave, muito embora hilariante, de desestabilização política.
Quando Dilma solta o verbo e principia a dizer o que pensa (ou o que parece pensar que pensa), dá-se o desastre institucional em forma de comédia. Seus enunciados geram piadas prontas de repercussão imediata e retumbante. É impossível não rir do ridículo autoimposto. Convertidas em musiquinhas ritmadas nas redes sociais, sua tirada sobre a “mulher sapiens” e sua louvação apologética da mandioca já figuram entre os clássicos do cancioneiro galhofeiro (nesse caso, a galhofa se volta contra a própria compositora). Suas incursões à corrente filosófica da “negação da negação” revelam-se igualmente impagáveis. Aquela história da meta que não é meta nenhuma (igual a zero, portanto) e que será dobrada tão logo seja atingida, convenhamos, deixa no chinelo tanto a dialética de Karl Marx como a estética de Groucho Marx (além da matemática, por certo). Não dá para não rir, mesmo chorando ao mesmo tempo.
[su_quote]Se Dilma Rousseff falasse menos, talvez a gente compreendesse mais[/su_quote]
Estamos submetidos a um discurso paradoxal, elíptico e disruptivo. Num país que, como já se disse, a cada 15 anos esquece o que se passou nos últimos 15 anos, a presidente se afirma como um prodígio imbatível. A cada final de frase, ela se esquece completamente do que pretendia dizer no início daquela mesmíssima frase. Considerando que suas orações costumam ser curtas, o negócio da memória que não tem memória (como a meta que não é meta nenhuma) transparece ainda mais. A incredulidade nervosa se apossa do público.
Quando Dilma fala, um sentimento de aflito suspense consome a parcela ultraminoritária da sociedade que ainda insiste em apoiá-la. Quanto aos demais, que são a imensa maioria do povo, para eles é diversão garantida. Quando Dilma fala, o céu certamente não se ilumina – nem se conjumina. Quando Dilma fala, só o que acontece é que, desgraçadamente, o Brasil se dobra de rir. E ri tanto, com tanto gosto, que vai deixando de levá-la a sério. Se existe hoje um movimento que tudo faz para derrubar Dilma Rousseff, é o movimento labial dela própria. A cada palavra que a chefe de Estado pronuncia, lá se vai mais um decimal de seus escassos pontos de aprovação. Já há quem considere que, para o bem de todos e felicidade geral da nação, o Congresso deveria aprovar em regime de urgência uma emenda constitucional suprimindo toda e qualquer manifestação de improviso presidencial. Há quem argumente que esse não seria um caso de censura prévia, mas postura preventiva.
Falando sério (se é que isso ainda é possível), se Dilma Rousseff falasse menos, talvez a gente compreendesse mais. As coisas não sairiam tanto do lugar. E não existiria no horizonte do Brasil a sombra da corrosão máxima da autoridade na figura da máxima autoridade da República. Mais um pouco e nem mesmo o motorista vai querer obedecer a ela. Falando sério, Dilma ganharia mais se aprumasse mais sua mensagem ao país que governa, com sobriedade, frases serenas, pensadas (antes, de preferência) e sobretudo claras. Falando sério, estamos numa situação em que a desorientação dos improvisos denota uma desorientação política – o que é ainda mais angustiante – e isso precisa ser revertido quanto antes. Ainda é tempo – e isso não é uma piada.
Até aqui, o desgoverno verbal de Dilma Rousseff só lhe prestou desserviços. Entre outros efeitos colaterais, fez com que Michel Temer parecesse o maior estadista da história do Brasil. Em contraste com o estilo randômico da titular, o vice encarna agora o juízo imperturbável. Enquanto Dilma tece loas à mandioca, o vice não inclina a sobrancelha nem quando comenta os arroubos de Eduardo Cunha. Com seus pronunciamentos estrábicos, que apontam para sentidos opostos sem ter sentido nenhum, Dilma transferiu para Temer o lastro da governabilidade de seu mandato. Se cair, a culpa terá sido principalmente de seu movimento labial. Se não cair, e será melhor que não caia, o mérito será da continência – a continência verbal – que ela deve aprender já.
Fonte: Época, 18/8/2015
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