Elas podem ter se candidatado para que os partidos cumprissem a cota de 30% de mulheres na chapa
Elas praticamente não tiveram voto, nem gastaram dinheiro na campanha eleitoral. Por isso, levantaram suspeitas. Análise feita pela Procuradoria Regional Eleitoral do Rio de Janeiro concluiu que, nas eleições de 2012, 1.429 candidatas às Câmaras Municipais, com votação irrelevante (até dez votos) e gastos inferiores a R$ 2 mil, atuaram como laranjas, apenas para que os partidos políticos cumprissem os 30% exigidos pela Lei Federal 12.034/2009 para cada sexo — na prática, o percentual mínimo de mulheres exigido nas chapas proporcionais.
No contingente de candidatas fantasmas, a Procuradoria apurou o nome de pelo menos 80 servidoras públicas, entre professoras, merendeiras, recreadoras, auxiliares de enfermagem e administrativas, agentes comunitárias, serventes, policiais militares e do Corpo de Bombeiros. Uma recreadora da Região dos Lagos, por exemplo, teve três votos e gastou R$ 26. A investigação foi motivada por reportagem sobre o tema, publicada pelo “Globo” em outubro de 2012.
Após o levantamento, foi acesa uma luz amarela nos partidos políticos: a Procuradoria Eleitoral expediu 842 ofícios para diretórios municipais, além de 27 ofícios para diretórios estaduais de partidos políticos, alertando-os para o que foi apurado e sobre os riscos da fraude.
Medidas mais duras caberão às prefeituras e ao Ministério Público estadual, que foram notificados no sentido de adotar providências quanto à prática de improbidade administrativa. A Procuradoria encaminhou 34 ofícios para prefeituras e cinco ofícios para outros órgãos (PM, Polícia Civil, Assembleia Legislativa, Corpo de Bombeiros e Instituto Chico Mendes), comunicando o fato.
— Como a legislação eleitoral garante três meses de licença remunerada aos servidores que se candidatam, é provável que esse benefício tenha sido a razão central do aliciamento das laranjas no serviço público. Interesse político não era, porque a maioria esmagadora teve, ao mesmo tempo, zero voto e nenhum registro de gasto de campanha — suspeita o ex-procurador regional eleitoral Maurício da Rocha Ribeiro, que deixou o cargo ontem.
Há, segundo Maurício Ribeiro, indícios mais que razoáveis de que algumas servidoras se valeram dos três meses de licença remunerada para ampliar licenças-maternidade, prolongar férias ou antecipar aposentadorias, “em desvio de finalidade”. Uma única prefeitura somou 13 candidatas fantasmas, das quais oito tinham cargo em comissão e foram exoneradas durante a campanha, fato que levanta a suspeita sobre o envolvimento de prefeitos. Na PM, cinco servidoras se enquadraram no pente-fino.
O artigo 10, parágrafo 3º, da lei 12.034 estabelece que, do número de vagas resultante das regras previstas, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Com o levantamento no Rio de Janeiro, as Procuradorias Regionais do país deverão aumentar o cerco às fraudes cometidas a pretexto de fazer a inclusão eleitoral.
— A política ainda é uma atividade majoritariamente masculina. Por isso, os partidos têm tido, desde 2009, muita dificuldade para preencher as cotas. Como eles correm o risco de ter a chapa impugnada pela Justiça Eleitoral se descumprirem a exigência, preferem apelar às laranjas. Conseguem, assim, respeitar formalmente a lei. Mas estão longe de garantir a inclusão. Como aconteceram apenas duas eleições depois da exigência, é algo novo até para o Ministério Público, a quem cabe fiscalizar o processo eleitoral — explicou.
O ex-procurador disse que o recrutamento de mulheres não é difícil.
— A prática está disseminada. Vale qualquer negócio para afastar a hipótese de impugnação. E é uma troca, porque essas mulheres acabam também favorecidas pela fraude. Mas estão escolhendo a licença errada para ficar em casa. Precisam tomar cuidado, porque as chances de virarem rés em ação de improbidade são grandes — alertou Maurício Ribeiro.
Caso foi revelado no auge da campanha
Em setembro de 2012, quando a campanha municipal estava em andamento, o “Globo” alertou que, para cumprir a lei eleitoral, legendas estavam recorrendo a uma brecha na legislação e procurando servidoras públicas — civis e militares — para compor a chapa. Ao pedir sua adesão, informavam-lhes que, por lei, elas teriam direito a solicitar três meses de licença remunerada, que não eram obrigadas a fazer campanha e que não existia qualquer mecanismo que fiscalizasse ou penalizasse o candidato sem comprometimento político.
Em Niterói, mostrou a reportagem, pelo menos três PMs encaixaram-se no perfil descrito. Sabrina Santos, cabo de 31 anos lotada no 12º Batalhão de Polícia Militar (BPM), estava nas últimas semanas de gravidez e, em seu Facebook, esse era o único assunto. Na página, não havia menção ao número 55.968 de sua candidatura. A casa dela não exibia sinais de campanha. Na de sua mãe, pendurou-se até a placa de um candidato de outro partido. Na época, Sabrina não quis dar entrevista ao “Globo”.
Outras PMs candidatas em Niterói foram Francineide Fernandes, soldado de 31 anos do mesmo batalhão, que exibia fotos de praia no Facebook, mas não citava o número 55.337, com o qual concorreu; e Rosane dos Santos, sargento de 50 anos, a mais velha das três. As duas também negaram-se a falar.
A manobra dos partidos nos quartéis chegou a virar queixa na Associação dos Ativos, Inativos e Pensionistas das Polícias Militares, Brigadas Militares e Corpos de Bombeiros Militares do Brasil (Assinap). Segundo Miguel Cordeiro, seu presidente, a busca por militares tinha a ver com o fato de eles não terem que cumprir um ano de filiação partidária, o que é exigido aos civis.
— Há denúncias de partidos que até pagam às PMs mulheres. Como elas podem entrar nas listas depois da convenção, são cooptadas na última hora mesmo — contou Cordeiro.
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