Um estudo da Consultoria Legislativa do Senado – órgão que presta assessoria técnica aos congressistas – concluiu que, ao editar medidas provisórias reduzindo o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a ser pago pelas montadoras de veículos, o governo sangrou indevidamente os cofres da União, Estados e municípios para “aquinhoar” um grupo restrito de empresas. Mesmo assim, as regras foram aprovadas por deputados e senadores, que as converteram em lei.
Três MPs editadas nos governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (471/2009; 512/2010 e 627/2013) estão sob suspeita de ter sido compradas por um esquema de lobby e corrupção a serviço do setor automotivo, revelado pelo Estado. Na última segunda-feira, a Polícia Federal prendeu cinco lobistas na Operação Zelotes, suspeitos de corromper parlamentares e funcionários do governo para viabilizar os benefícios.
As receitas do IPI não pertencem integralmente ao governo federal, que fica com 53% dos recursos. O restante é dividido com os demais entes federativos. Conforme o estudo, feito em fevereiro de 2011, por conta disso, Estados e municípios perderam bastante arrecadação em favor de poucas montadoras. As principais contempladas foram CAOA (Hyundai), MMC Automotores (Mitsubishi) e Ford.
A consultoria do Senado calculou que Estados e municípios perderiam R$ 2,1 bilhões só com a MP 512, editada em 2010 e aprovada no ano seguinte pelo Congresso. Desse total, R$ 1,3 bilhão seria destinado ao Norte, ao Nordeste e ao Centro-Oeste, justamente as regiões que o governo federal se propunha a ajudar com as regras de “estímulo à indústria automotiva”.
O levantamento lança dúvidas sobre o valor da renúncia fiscal mensurada pelo governo na época, que estaria subestimada. Além disso, pontua que, por falta de critérios de “transparência” e de “impessoalidade”, os recursos se concentraram nas mãos de “poucas empresas”, de três Estados. O período para que as empresas se habilitassem para receber os incentivos, por exemplo, era muito curto, o que impossibilitou que outras interessadas apresentassem seus projetos.
Além de Estados e municípios, perderam os fundos constitucionais das regiões mais pobres do país, também alimentados pelos recursos do IPI. Na avaliação dos consultores Ricardo Nunes de Miranda e Cláudio Borges dos Santos, que assinam o estudo, a MP 512 constitui mais um exemplo de como as medidas provisórias podem ser prejudiciais às “boas práticas republicanas”.
O Estado mostrou neste domingo, 1, que o Brasil perderá R$ 13,2 bilhões em dez anos com as três MPs suspeitas. O valor corresponde à renúncia fiscal referente ao IPI. Esse valor é o dobro do reconhecido pela Petrobrás com as perdas obtidas pelo esquema de corrupção descoberto na Operação Lava Jato. As normas prorrogaram de 2011 a 2020 a política de redução do imposto. Além disso, permitiram que montadoras se livrassem de dívidas de mais de R$ 2 bilhões com a Receita.
Entenda as medidas provisórias
MP 471/2009, convertida na Lei 12.218/2010
Alterou duas leis, permitindo que indústrias instaladas no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste, a maioria montadoras, continuassem pagando Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) mais baixo entre 2011 e 2015. Esse benefício expiraria em 31 de dezembro de 2010. As principais beneficiadas foram CAOA (Hyundai), MMC Automotores (Mitsubishi) e Ford. Como contrapartida, as empresas teriam de fazer investimentos.
MP 512/2010, convertida na Lei 12.407/2011
Permitiu que parte das indústrias beneficiadas pela MP anterior tivesse o incentivo fiscal estendido de 2016 a 2020. Além disso, a norma resolveu um problema das montadoras com a Refeita Federal, livrando-as de dívidas fiscais que estavam em discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A principal beneficiada, nesse caso, foi a Ford.
MP 627/2013, convertida na Lei 12.973/2014
A norma altera a legislação referente a vários impostos. Um artigo incluído pelo Congresso contemplou as montadoras que ainda não haviam conseguido estender de 2016 a 2020 o benefício do IPI. Ganharam com isso a MMC Automotores e a CAOA.
Fonte: O Estado de S.Paulo.
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