Por suas características geográficas o sistema elétrico nacional apresenta uma vocação predominante para a hidroeletricidade.
Todavia, face às incertezas com relação às afluências futuras, a estratégia de evolução do parque hidrelétrico contemplou a construção de usinas com reservatórios de regularização, muitos dos quais plurianuais. A água estocada nesses reservatórios seria utilizada para garantir as vazões afluentes aos rios nos períodos secos ou mesmo hidrologicamente desfavoráveis, mantendo-se a governabilidade das usinas e, por conseguinte, a garantia do atendimento energético do país.
Por razões de ordem financeira, econômicas e ambientais a última usina construída com essa filosofia foi Serra da Mesa, no rio Tocantins, cuja operação iniciou-se na década de 1990.
A partir daí, a estratégia de se estocar água em reservatórios de grande porte, para reduzir as incertezas quanto às afluências futuras inicia um período de declínio.
Com isso, a relação entre a capacidade máxima de armazenamento do país e a carga vem gradualmente decrescendo de uma relação de 8 vezes, na década de 1990, para cerca de 4,5 vezes.
Isso significa que se agregou potência ao sistema, mas não através de usinas com reservatórios, mas de usinas à fio d’água. Ou seja, usinas que dependem das afluências naturais a seus reservatórios ou usinas regularizadas por reservatórios eventualmente localizados à montante.
Essa estratégia, obviamente, expôs o atendimento energético do país a uma maior dependência de períodos úmidos favoráveis para prover os estoques necessários para a garantia do atendimento energético do país.
Nesse cenário, teve início a expansão da oferta de geração através de usinas eólicas e, mais recentemente, solares, cuja produção depende das condições de climáticas. Ou seja, também, são fontes com geração intermitente.
Hoje na matriz elétrica brasileira há uma preponderância de recursos energéticos de caráter probabilístico, como as vazões afluentes, os ventos e a insolação, complementados por aqueles de caráter determinísticos, que são as usinas térmicas.
Nesse contexto, foi necessário reduzir a dependência de períodos hidrológicos desfavoráveis, notadamente nas bacias hidrográficas das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
Uma das saídas foi as bacias hidrográficas da região Norte, que apresentam um comportamento mais regular, com períodos bem definidos de vazões elevadas.
Assim essas bacias foram uma opção natural para a construção das chamadas usinas hidrelétricas estruturantes, uma vez que sua elevada produção em seus períodos úmidos pode ser estocada nas usinas das regiões SE/CO e NE. Através da malha de transmissão do sistema interligado, se viabilizou uma efetiva transposição de bacias, reduzindo a dependência de períodos úmidos favoráveis nas bacias hidrográficas das referidas regiões.
Dentre as usinas estruturantes da região Norte podemos citar o complexo do Rio Madeira, Usinas de Jirau e Santo Antônio, usina de Teles Pires e a usina de Belo Monte.
Para a construção dessas usinas foram definidos uma série de estudos de engenharia e ambientais, que definiram parâmetros importantes como os hidrogramas que definem as vazões mínimas que essas usinas devem garantir do ponto de vista ambiental, a cada intervalo de tempo.
Tendo como referência esses hidrogramas, foram calculadas as garantias físicas dessas usinas que, do ponto de vista energético, constituem-se nos montantes de oferta de energia que garantem, junto com as das demais usinas, níveis adequados de garantia para o atendimento energético do país.
Além disso, à época de seu cálculo, foram definidas as demais expansões necessárias considerando essa garantia física. Portanto, a alteração de qualquer dos hidrogramas definidos à época do cálculo dessa garantia física impacta o acoplamento temporal das decisões, uma vez que haverá um déficit estrutural de energia no sistema, com impactos na garantia do atendimento energético do país.
Ou seja, a alteração proposta pelo Ibama do hidrograma de Belo Monte, não possibilitando que a usina produza, pelo menos, sua garantia física terá impactos estruturais. Notadamente neste ano em que o regime hidrológico não está favorável nas regiões SE/CO.
A menor geração de energia na hidrelétrica de Belo Monte –com o desvio da vazão de água para a Volta Grande– causará aumento nos preços da energia nos mercados livre e regulado, colocará em risco o abastecimento de energia no país e trará prejuízos irreparáveis a empresa a seus acionistas. Num momento, de pandemia, onde temos de atrair investidores privados, não podemos e não devemos criar instabilidade regulatória e insegurança jurídica.
Fonte: “Poder 360”, 26/01/2021
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