De um experiente político britânico, hoje homem de negócios, ouvi na semana passada, em Londres, que nos meios empresariais europeus e americanos começa a ganhar corpo a percepção de que o Brasil está chegando ao limite de sua capacidade de expansão do crescimento e que o governo terá pouco tempo para reverter essa impressão, caso queira manter a grande visibilidade do País e sua atração de investimentos. “O Brasil está muito caro e muito complicado para investir”, disseram-me vários representantes de empresas. O “Financial Times” e a “The Economist”, influentes formadores de opinião no mundo dos negócios, repercutiram as medidas recentes de apoio à indústria nesse mesmo tom: mais protecionismo e menos ações efetivas do governo dentro de uma visão estratégica de médio e de longo prazos. A demora e a complexidade da nova regulamentação para a entrada de empresas automobilísticas com novas fabricam no Brasil é um exemplo.
O sucesso da política econômica, demonstrado pela estabilidade da economia, juntamente com o controle da inflação e a volta do crescimento, e pela expansão do comércio exterior, quadruplicado desde 2003, escondeu os reais problemas do setor industrial por mais de uma década. O alto nível do crescimento em 2010 (7,5%) expôs nossa debilidade no tocante a mão de obra qualificada, a educação e a infraestrutura, enquanto a baixa taxa em 2011 (2,7%) expôs o impacto sobre a indústria da perda da competitividade da economia brasileira. A indústria, que representava 27,2% do PIB em 1985, em 2011 viu sua participação reduzida a 14,6%.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), insuspeito ao analisar as políticas do governo nos últimos anos, em estudo recente afirmou que o Brasil precisa de políticas industriais de longo prazo e reconheceu ser preciso atacar o problema de forma sistemática, e não de maneira pontual, como feito até aqui.
A crescente desindustrialização, com a perspectiva de fechamento de grande número de empresas, e o inevitável desemprego, sobretudo na indústria de transformação, uniram as centrais sindicais e o setor empresarial, liderado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O grito de alerta contra a desindustrialização e em prol do emprego, com a perspectiva de grande mobilização popular e a criação de uma frente parlamentar para defender os postos de trabalho e a indústria no Congresso, acendeu a luz vermelha em Brasília.
A presidente Dilma Rousseff convocou, na semana passada, 28 importantes representantes do setor industrial para discutir a situação e determinar aos Ministérios da Fazenda e da Indústria e Comércio medidas concretas de apoio ao setor industrial. Aparentemente, a presidente saiu sensibilizada do encontro e entendeu que o setor industrial de transformação precisa de atenção maior neste momento em que, por questões conjunturais, está perdendo competitividade.
Embora nos dez últimos anos as medidas de apoio à indústria e ao comércio exterior tenham sido tímidas e muitas vezes nem chegado a ser implementadas, a reação presidencial parece representar uma mudança positiva de atitude em relação à indústria de transformação, o setor mais afetado pela perda da competitividade. Nesse sentido, a indústria não pode senão dar um voto de confiança, na expectativa de que medidas efetivas sejam anunciadas pelo governo no curto prazo.
A desoneração da folha de pagamento sem novo tributo sobre o faturamento, a devolução de impostos bem acima de 3% via Reintegra, a simplificação do PIS-Cofins, a melhoria da eficiência da alfândega, medidas para impedir a apreciação cambial, a ampliação e o barateamento do crédito, a busca de formas para reduzir o custo da energia e a melhoria da infraestrutura são, todas, medidas compensatórias bem-vindas. A retomada da indústria depende, entretanto, de medidas mais amplas, que envolvam soluções para o alto custo da tributação, da energia e dos juros bancários, não de mais protecionismo. O cenário internacional, que por muitos anos ficará afetado pela crise econômica e financeira, ameaçando o crescimento global e do comércio exterior, e a China agressivamente competindo com produtos brasileiros no exterior e mesmo no mercado doméstico aconselham um esforço político para reduzir significativamente o custo Brasil.
Chegou a hora de uma ação firme do governo e do Congresso com visão de futuro. Se o governo não enfrentar, no médio prazo, o problema central das reformas estruturais (tributária, da Previdência Social, trabalhista e política), estará perdendo uma oportunidade histórica para criar condições de um grande salto qualitativo ao estilo chinês na economia.
Apesar da guerrilha que o governo hoje enfrenta no Congresso, a frente parlamentar poderia liderar movimento para discutir uma verdadeira reforma tributária que permita uma ampla negociação entre os Estados para benefício de todo o País. Há um pacote pronto para ser discutido entre o governo e os Estados. A reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); a aprovação da Resolução 72/2010, que prevê a uniformização da alíquota do ICMS interestadual para importações; a repactuação dos royalties do pré-sal; a desoneração da folha de salários; a dívida dos Estados e sua renegociação sem violar a Lei de Responsabilidade Fiscal; todas essas importantes matérias poderiam ser postas conjuntamente na mesa para uma ampla negociação. Se seriamente tratada essa questão, estaria aberta a possibilidade de a presidente Dilma avançar com sucesso numa área minada que os dois governos anteriores não quiseram ou não puderam enfrentar.
Aproveitando o momento, uma modificação no processo decisório do comércio exterior, com o reforço da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e a separação da alfândega da Receita Federal, ajudaria, e muito, o setor privado e o funcionamento da economia.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 27/03/2012
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