É famosa a frase do jornalista americano Henry Louis Mencken de que “para todo problema complexo, há uma solução que é simples, elegante e errada”. A frase me veio à memória tempos atrás quando estava aguardando o elevador, carregando um livro que discutia por que a economia brasileira crescia tão pouco. Uma pessoa leu o título do livro e comentou: “Por que o Brasil cresce pouco? Ora, é simples: pela corrupção!”.
Não há dúvida de que a corrupção é uma chaga. Ela castiga o país de três formas. Primeiro, pela drenagem de recursos públicos que provoca. Segundo, porque devemos ser um dos países com a maior proporção de pessoas no mundo dedicadas a “esquemas”, sejam municipais, estaduais ou federais, o que é uma distorção alocativa dramática comparativamente às riquezas genuínas que esses indivíduos poderiam gerar caso se dedicassem a atividades legais e produtivas. E terceiro, o que talvez seja o mais grave, pelo efeito moral deletério que exerce sobre a cidadania.
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Num país normal, as autoridades deveriam dar o exemplo e ser o espelho no qual cada habitante deveria se olhar procurando fazer o melhor para o seu país. No Brasil, porém, quando o indivíduo olha para a realidade que o cerca, é inescapável se lembrar, para quem a conhece, da frase de Rui Barbosa, de que “de tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra; de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.
Dito isso, porém, e ressalvados o mal que os problemas desvendados pela Lava-Jato causaram e o papel positivo que a ação da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça tem tido para construir um país melhor, a ideia de que a causa principal dos males do Brasil é a corrupção é um equívoco. Insisto com três dados que nunca me canso de repetir. O primeiro, que a despesa exceto juros do governo federal passou de 14% do PIB em 1991 para 24% do PIB em 2016, antes de ceder um pouco em 2017. O segundo, que a idade em que as pessoas se aposentam por tempo de contribuição no Brasil é de 53 anos para as mulheres e 55 para os homens. E o terceiro, que a preços de 2018, deflacionada pelo deflator do PIB com uma estimativa para o ano em curso, a despesa do INSS, que foi de R$ 190 bilhões no começo da estabilização, em 1995, será de mais de R$ 580 bilhões em 2018. Mais um dado para informação do leitor: o que se gasta com benefícios assistenciais de um salário mínimo é equivalente a seis vezes o total do investimento do governo federal. Nada disso tem a ver com corrupção, e sim com um país onde muitas pessoas se aposentam cedo, os recursos públicos são pessimamente utilizados e que é pouco propenso a aceitar as regras da competição como algo associado ao sucesso dos indivíduos, das empresas e dos países.
Tomemos um exemplo prosaico. Pensemos no João, um caso de trabalhador comum. Tendo sido um aluno fraco, abandonou há pouco mais de dez anos o ensino médio com notas baixas. Aos 30 anos, não consegue se firmar em empresa alguma e já acumula dois períodos de recebimento do seguro-desemprego durante alguns meses. A essa idade, já tem dois filhos de dois casamentos, e sua atual namorada está esperando o terceiro. O trabalho que fazia já passou a ser feito por máquinas em duas oportunidades. No primeiro caso, porque lançava dados como digitador de informações numa empresa que hoje captura as informações no sistema. No segundo, porque o trabalho manual como operário numa planta, agora é feito por um pequeno robô.
Sem maiores qualificações, vive pulando entre uma ocupação e outra, com salários que variam de R$ 1.500 a R$ 2.000. Provavelmente, ele se indigna, com razão, ao ler o noticiário sobre a profusão de escândalos do país. Infelizmente, porém, mesmo que tivéssemos padrões escandinavos de gestão da coisa pública, a realidade nua e crua é que João está desaparelhado para enfrentar a competição no mundo de hoje. Isso requer uma macroeconomia saudável, uma educação de qualidade e um ambiente econômico onde, como diz um amigo economista, a empresa invista no empregado, e o empregado invista na empresa. E isso vai muito além da corrupção. Não há saídas fáceis para o Brasil.
Fonte: “Globo”, 06/02/2018