Para quem não conhece esses números, é chocante constatar o brutal crescimento dos gastos com aposentadorias e pensões dos regimes próprios dos servidores públicos nos últimos anos. Mesmo sem incluir os municípios, vi que os gastos totais com esse item, em apenas três anos, passaram de R$ 205 bilhões em 2014 para impressionantes R$ 284 bilhões no ano passado, muito acima do crescimento esperado para o déficit do INSS, se se considerar a arrecadação que ele obteria em anos normais.
Não é por outro motivo que o artigo 40 da Carta Magna manda constituir fundos de pensão para os regimes dos servidores e, ao final, equilibrá-los com contribuições de patrões e empregados. Já o artigo 249 autoriza o aporte de ativos, como ações de empresas, aos fundos para amenizar o ônus do excessivo reajuste esperado nessas contribuições em determinados casos.
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No entanto, é também chocante constatar que até hoje nenhum ente público, especialmente a União, mesmo dispondo dos exemplos bem-sucedidos das grandes estatais federais, que fizeram o mesmo desde algum tempo, tenha implantado qualquer desses mecanismos, recusando-se, na prática, a atender à imposição constitucional. Limitam-se a divulgar anualmente estimativas precárias do rombo total de cada caso.
Nesse sentido, deveria ser superbem-vinda a atual movimentação de governadores junto ao presidente da Câmara para discutir os termos da implementação desses fundos de pensão salvadores, no exato momento em que se constata, na reta final do processo, serem as chances de aprovar a atual reforma das regras previdenciárias praticamente nulas, deixando o País no vácuo em relação às expectativas por medidas de ajuste do brutal déficit público. Em vez disso, foi chocante verificar, em primeiro lugar, a reação irada do relator da reforma na TV, que considerou indecente a mera divulgação de uma proposta visando, no mínimo, a tentar cumprir a Constituição, em complemento a reformas de regras que os políticos se recusam a aprovar, temendo os impactos negativos em ano de eleição.
Conforme tenho explicado há mais de um ano em discussões públicas sobre o tema, a implementação desses fundos tem vários efeitos colaterais desejáveis. Primeiro, porque permite chamar os “donos do Orçamento” às falas. Cunhei essa denominação aos segmentos que dispõem de fatias fixas e garantidas dos orçamentos e que, pela força de que dispõem, têm conseguido barrar a maior parte das tentativas de fazê-los participar do financiamento dos gastos com seus próprios aposentados. Essa conta eles enviam para os governadores, por exemplo, que, mesmo falidos pela recessão e outras mazelas, são levados a zerar investimentos e comprimir suborçamentos importantes como o de segurança, para administrar minimamente suas finanças. Refiro-me aos chamados Poderes autônomos – Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública – e aos segmentos de educação e saúde.
Outra possibilidade interessante é a de aliviar os Tesouros da enorme carga da conta dos aposentados a curto prazo, especialmente num momento tão difícil em que a maioria das administrações subnacionais está ameaçada pela guilhotina da Lei de Responsabilidade Fiscal caso não consiga quitar todos os atrasados até o final de 2018. Isso se daria tanto pelos maiores porcentuais de contribuições como pela venda de ativos e outros recebíveis que forem incorporados aos novos fundos de pensão, caso em que a União poderia ajudar muito antecipando recursos que os mercados privados só aportariam num prazo mais longo.
A mera menção a essa possibilidade levou esta semana a outra reação irada, agora em off, provavelmente da burocracia fazendária, mandando para a TV a notícia veiculada sem cheque prévio de que: 1) os governadores desejam que a União assuma todo o ônus dos seus passivos previdenciários (?!); 2) que seriam necessários R$ 400 bilhões de ativos (?!) para equilibrar os fundos, números esses passados adiante sem qualquer justificativa técnica.
Fonte: “Estadão”,08/02/2018