* com Patricia Stefani
A longa sequência de frustrações com o notável processo de queda do produto interno brasileiro ensejou um importante debate sobre as suas causas. Um grupo de analistas alega que os motivos para tal insucesso seriam essencialmente externos. A desaceleração da economia mundial, especialmente da chinesa, seria o motivo subjacente aos resultados econômicos adversos obtidos no período. Alguns partidários desta tese adicionam que, em 2015, o discurso do governo Dilma fixou-se em demasia no chamado ajuste fiscal, o que impactou negativamente a atividade, sem que os agentes conseguissem vislumbrar um futuro benigno, exacerbando, consequentemente, os problemas correntes.
Procuraremos argumentar que, apesar da desaceleração mundial ser uma questão adjacente e um ponto importante de risco para o cenário prospectivo, os fatores determinantes para a nossa verdadeira queda livre são, fundamentalmente, idiossincráticos, uma resultante de escolhas equivocadas de política econômica.
Três estudos publicados recentemente explicitam a complexidade e a periculosidade do quadro externo atual. O primeiro deles é um trabalho do FMI1 que nos ensina as principais características do rápido crescimento do crédito ocorrido no países emergentes nos últimos anos, bem como fornece estimativas de seu impacto sobre o crescimento, com direito a um estudo de caso para o Brasil. A conclusão é que a forte evolução do crédito teve impacto significativo sobre o crescimento no período analisado.
O segundo trabalho2, um pormenorizado discurso do diretor-geral do BIS na London School of Economics, tem o mérito de organizar os estudos da casa, oferecendo uma leitura abrangente do quadro internacional. Segundo esta narrativa, a queda e frustração com o crescimento econômico, as variações substanciais nas taxas de câmbio (especialmente dos emergentes contra o dólar americano) e a queda dos preços das commodities estão intrinsicamente relacionadas ao processo de desalavancagem das economias emergentes.
Os dados de crédito como proporção do PIB deixam claro o crescimento do endividamento privado nos mercados emergentes no período pós-crise, principalmente por parte das empresas não financeiras. O nível médio do crédito privado nos emergentes passou de 75% em 2009 para cerca de 130% do PIB. Os riscos ressaltados pela instituição concentram-se, principalmente, no alto endividamento de empresas do setor de bens não transacionáveis que, portanto, têm a maior parte de suas receitas concentradas em moeda local, e no segmento mais endividado, que se presume ser de crédito de pior qualidade.
Num período de dólar forte, como o que vivenciamos hoje, essas firmas, que contraíram dívidas na moeda americana, passam a optar pela desalavancagem, girando a roda na direção contrária. Em outras palavras, as firmas tomam decisões individuais que acabam apertando as condições financeiras locais e diminuindo o crescimento.
O terceiro trabalho3, publicado em janeiro deste ano pelo FMI, trata do custo fiscal potencial associado aos chamados passivos contingentes. A materialização desses episódios, cujo custo médio na amostra reunida pelo estudo é de 6% do PIB, está relacionada à ocorrência de eventos que exigem aportes de recursos por parte do governo central, e engloba uma lista bastante familiar, como o socorro a entidades subnacionais, a fundos de pensão, capitalização de empresas estatais com problemas de endividamento insustentável, dentre outros.
São episódios que tendem a ocorrer subsequentemente a períodos de alto crescimento, sendo provocados pela queda momentânea – mas profunda – do crescimento econômico (que cai fortemente por dois anos, até começar a reverter à tendência) e estão associados a uma piora do déficit nominal (queda, em média, de 2 pontos percentuais do PIB) e ao aumento da dívida pública (em média de 15 pp do PIB). Será que essas características nos lembram as de um certo país?
Em suma, a conjuntura internacional é verdadeiramente complexa e incerta. O processo de desalavancagem dos países emergentes, ao reverter as condições financeiras locais, diminuiu o ritmo de crescimento com respeito à fase anterior. No limite, pode até mesmo culminar em um processo não organizado, uma crise de crédito, na qual os governos precisem incorrer em substanciais e inesperados custos.
No entanto, será que foi esse contexto mundial conturbado o elemento determinante dos péssimos resultados colhidos durante os cinco anos de gestão Dilma? Não é o que sugerem os dados. Existem algumas formas estatisticamente oportunas de se abordar a questão. Porém, o ponto é que o leitor não precisa de treinamento avançado em métodos quantitativos para perceber a discrepância entre o desempenho do nosso país e o de seus pares.
Em que pese a crítica ao uso do PIB como base de comparação da performance entre países, a figura ilustra a realidade capturada em diversas métricas: enquanto o mundo desacelera, o Brasil despenca. A explicação para o nosso estado atual de regressão acelerada é encontrada nas políticas equivocadas implementadas recentemente (intervenção excessiva no sistema de preços, direcionamento equivocado do crédito, uma gestão fiscal “criativa” e opaca, populismo cambial, política monetária hiperativa, etc), o que acabou minando a confiança da população. A chance de saída deste enrosco passa pela mudança completa do paradigma econômico vigente nos último anos. Se e como esse processo se dará está nas mãos da Justiça e do sistema político. A ver.
1. “Credit Expansion in EM: Propeller of Growth?”, FMI working paper 15/212.
2. “Credit, Commodities and Currencies”, BIS, fev/2016.
3. “Fiscal Costs of Contingent Liabilities: A New Dataset” IMF working paper 16/14.
Fonte: “Valor econômico”, 16 de março de 2016.
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