Mauricio Puerta, astrólogo e arqueólogo colombiano, deparou-se certa feita com uma indígena caminhando por uma montanha de seu país. Ela levava consigo um pacote que Puerta não identificou de pronto. Ao ser indagada, respondeu que carregava o futuro. O futuro era o seu bebê, cuidadosamente abrigado dos ventos da montanha.
A sua singela resposta passava uma profunda noção a respeito da importância da continuidade, de nosso caráter transitório e da nossa responsabilidade como passageiros e condutores do expresso para o futuro. Mostrava igualmente que, no passado, já fomos também uma expectativa de futuro. Cuidaram de nós. Florescemos e construímos o presente. E, ainda agora, somos lançados rumo ao futuro. O que fazer desse “continuum”?
Filhos nos impõem responsabilidades que projetamos em direção ao futuro. Pessoalmente, o amor que um filho desperta nos pais os arranca do presente e os coloca em uma dimensão de tempo mais ampla. De tal forma que ter filhos é uma experiência única que pode transformar radicalmente as pessoas. No entanto, em sendo uma experiência absoluta de amor, ter filhos pode não ser o único caminho para sermos portadores do futuro. Muitos não podem ou não querem ter filhos. Terminariam privados dessa experiência radical?
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O “continuum” proporcionado pelos filhos é, como afirmei, uma experiência absoluta de amor. Ama-se com tal intensidade que muitos só descobrem o sentido do amor quando têm filhos. Em sendo este sentimento o combustível do futuro, seria o amor, por si só, suficiente para que nos motivemos a cuidar do que vem por aí? Proteger o futuro é amar os amigos, a família, a comunidade, o planeta.
Nesse sentido mais abrangente o amor assume um caráter político.
Se não houvesse amor, não haveria futuro. O planeta estaria habitado por feras e a humanidade já teria sido extinta. O amor organizou as tribos, os clãs e, em última instância, as nações. Sem amor o futuro não existiria como presente, tampouco como esperança de tempos melhores.
A política, nos tempos atuais, deveria se voltar para o futuro.
Mesmo ao impor sacrifícios e perda de privilégios correntes, seria um ato de amor cuidar do futuro. Fomos, um dia, beneficiários do amor de quem criou vacinas, tratamentos médicos, transportes e telecomunicações. Herdamos benfeitorias que tornaram nosso presente melhor do que o de nossos ancestrais. Nosso compromisso, tal qual o da indígena colombiana, é cuidar do futuro.
Fonte: “IstoÉ”, 12/04/2019