O recente incêndio no Palácio Imperial Brasileiro, que destruiu o acervo do Museu Nacional, é o que se chama uma tragédia anunciada. Funcionários, pesquisadores e outras pessoas que frequentavam o local sabiam do risco de um incêndio destruir um dos mais ricos acervos do mundo.
Salas fechadas sem condições de uso, infiltrações, falta de manutenção, gambiarras de todos os tipos, criando extensões elétricas desencapadas se espalhando pelo velho prédio, com parte da estrutura em madeira, eram um convite a um incêndio que, iniciado, teria grandes proporções.
O prédio era altamente combustível e seu conteúdo não ficava atrás. Somando-se a isso a falta de manutenção e o absoluto descaso com as medidas e os equipamentos de combate a incêndio, o resultado tinha de ser o que se viu. Era só uma questão de tempo para o fogo destruir rapidamente um acervo com 20 milhões de itens, comparável ao Louvre ou ao Instituto Smithsonian, em Washington.
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A pergunta que eu tenho que responder é se uma apólice de seguros teria evitado a tragédia. Para isso, tenho de aumentar um pouco a resposta e começar dizendo que raramente um museu de grande porte, em qualquer lugar do mundo, tem seguro para o seu conteúdo. O prêmio do seguro de vários bilhões de dólares em objetos raros, ou mesmo únicos, é impossível de ser pago, além do que por ser tão caro, seu custo anual multiplicado por cinco anos permitiria ao museu comprar sistematicamente, uma grande peça para aumentar seu acervo.
Faz alguns anos, um grande incêndio atingiu um dos palácios reais britânicos. Muita gente se espantou com o fato de não haver seguro. A razão para isso é a que acabei de expor.
O que se costuma fazer quando uma peça do acervo deixa o museu de origem, emprestada para um evento em outro local, é exigir que o responsável pela retirada apresentar um seguro “all risks”, com garantias e valor segurado suficiente para indenizar a eventual perda total da obra de arte emprestada.
De outro lado, o seguro do edifício do Museu Nacional seria algo factível e até lógico, na medida que se trata de uma construção com alto valor histórico, que pelas técnicas e materiais utilizados na obra tem alto risco de incêndio e um valor para reconstrução bastante elevado.
Nas condições em que o prédio se encontrava, dificilmente uma seguradora aceitaria o risco. Para isso, seria necessária a realização de uma ampla reforma que evidentemente diminuiria os riscos de incêndio, especialmente se causado por curto-circuito.
A seguradora, em princípio, exigiria além dos laudos e autorizações legais, uma vistoria feita por agente seu, que verificaria as condições do prédio e dos equipamentos e determinaria as condições para a aceitação do risco.
Se este seguro fosse regularmente contratado, a deterioração do prédio não atingiria o grau em que estava no dia do incêndio. Ao longo dos anos, a medida que a ação do tempo fosse cobrando seu preço, a seguradora exigiria da administração do museu as ações necessárias para minimizar as possibilidades de um acidente, sem o que o seguro não seria renovado.
As exigências para a melhoria do risco e contratação do seguro têm sem dúvida a capacidade de reduzir substancialmente a possibilidade da ocorrência de um sinistro de grande porte. Mas entre reduzir a possibilidade de sua ocorrência e garantir que o sinistro não aconteceria vai um espaço imenso. É justamente porque existe este espaço que as pessoas contratam seguro.
Com hidrantes, extintores, sprinklers, alarmes, detectores de fumaça, brigada de incêndio, portas e paredes corta-fogo as possibilidades de um incêndio de grandes proporções ficariam bastante reduzidas, significando consequentemente uma maior garantia para o conteúdo, ou o patrimônio não segurado, este sim de valor incalculável.
Na medida que as chances do prédio pegar fogo são baixas, as chances do conteúdo ser destruído pelas chamas também o são. O que não significa que não existam, afinal, o prédio e parte do conteúdo eram altamente inflamáveis.
Fonte: “Estadão”, 10/09/2018