No cenário de terra arrasada na economia brasileira por causa do novo coronavírus, o agronegócio avança. Com crescimento esperado de até 3% neste ano — contra uma retração da economia que pode chegar a 7% em algumas previsões —, a agropecuária aproveita vantagens criadas pela pandemia no mercado internacional.
Posicionado como “fornecedor fiel” de alimentos, o Brasil conquistou novos mercados lá fora em pleno abalo global. E bate recorde em exportações agrícolas, turbinadas pela alta do dólar provocada pelas crises sanitária, econômica e política.
Ao mesmo tempo, apesar das restrições de mobilidade, os produtores conseguiram manter o abastecimento interno num momento em que os brasileiros priorizaram a compra de alimentos.
Segundo o Ministério da Agricultura, 21 novos mercados foram abertos a produtos agropecuários brasileiros desde março, quando a pandemia se instalou no mundo. Os acordos envolvem suínos, aves, carnes e lácteos em onze países: Argentina, Colômbia, Peru, EUA, Irã, Taiwan, Tailândia, Emirados Árabes, Egito, Marrocos e Austrália.
— A agricultura pós-pandemia será bem diferente para cada produtor global. Brasil e Argentina sairão mais fortes, com o Brasil na ponta, enquanto os EUA devem ficar para trás. O Brasil continuará um dos mais competitivos, com forte demanda vinda da Ásia, clima bom, moeda desvalorizada, alto investimento em tecnologia e boas práticas — observa Tarso Veloso, gerente da consultoria AgResource, em Chicago (EUA), onde são negociadas boa parte das commodites agrícolas. — Impressionou muito o fato de o Brasil não ter fechado estradas nem portos e ter conseguido embarcar volumes recordes em plena pandemia.
Na semana passada, o Ipea estimou crescimento de 2,5% do PIB agropecuário este ano.
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Dados compilados pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) mostram que as vendas de agricultores e pecuaristas a outros países registraram alta de 5,9% nos primeiros quatro meses deste ano, com vendas totais de US$ 31,4 bilhões. Um ganho de US$ 1,75 bilhão na comparação com o mesmo período de 2019.
— Não deixamos de atender a nenhum parceiro tradicional, não desabastecemos o consumidor interno, e ainda conquistamos novos mercados — diz Orlando Leite Ribeiro, secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura. — Foi uma postura diferente da adotada pela Rússia, por exemplo, importante player no mercado de trigo. Simplesmente suspendeu as exportações, alterando todo o setor.
Na contramão do PIB
Com base nos resultados do início do ano, a CNA espera que o agronegócio cresça entre 2% e 3% este ano. Com isso, a participação do agronegócio no PIB deve subir de 21,4% em 2019 para 23,6% em 2020.
No primeiro trimestre do ano, impulsionado pela safra recorde de soja, o PIB da agropecuária avançou 0,6% em relação ao último trimestre de 2019, enquanto toda a economia do país encolheu 1,5%, informou o IBGE na última sexta-feira. Na comparação com o mesmo período de 2019, o setor rural foi o único com alta na produção: 1,9%.
— Acreditamos que o agronegócio vá crescer em 2020, ao contrário de outros setores. Para o ano que vem, está mais difícil fazer previsões, pois dependemos de uma série de fatores, como a descoberta de uma vacina para o coronavírus e o próprio comportamento do câmbio — afirma Renato Conchon, coordenador do núcleo econômico da CNA.
O crescimento do agronegócio não se deve apenas às exportações, observa Conchon. Em algumas áreas, o mercado doméstico é até mais importante. É o caso das carnes bovina, suína e de frango, que têm, respectivamente, 85%, 79% e 67% da produção consumidos no país.
Embora as famílias confinadas tenham comprado mais comida, o fechamento de restaurantes e serviços de alimentação reduziu o consumo interno de alimentos. Parte do que está sobrando começa a ser direcionada ao exterior.
Lígia Dutra, superintendente de Relações Internacionais da CNA, diz que o país está embarcando mais produtos como leite em pó e frutas cítricas. Ela espera forte retomada da venda de camarão ao exterior, visto que os principais consumidores — restaurantes, bares e hotéis — ainda estão fechados na maior parte do país e reabrindo no exterior.
O embarque de soja nos primeiros quatro meses do ano chegou a 35,7 milhões de toneladas, alta de 29,4% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). Parte disso foi motivada por países que, temendo um agravamento da pandemia, passaram a ampliar seus estoques de alimentos.
Uma dessas nações é a China, de longe o maior cliente do agronegócio brasileiro, embora com uma lista de compras muito concentrada na soja. O país asiático fica com 37% das nossas exportações agrícolas, seguido por União Europeia (16,3%) e EUA (6,1%), segundo dados do Ministério da Agricultura.
Entre janeiro e abril deste ano, o Brasil exportou US$ 8,4 bilhões em soja para os chineses, o equivalente a 73,3% do total vendido no período.
De acordo com o Ministério da Economia, as exportações de carne bovina para o país asiático somaram pouco mais de US$ 1 bilhão (49,5% do total) e as de frango, US$ 457 milhões (23,3%).
— A China foi responsável por 63% de todo o superávit comercial brasileiro no ano passado, concentrado em três produtos: soja, minério de ferro e petróleo. E há espaço para o Brasil vender outros produtos para eles — diz Claudia Trevisan, pesquisadora da Universidade Johns Hopkins, de Washington (EUA).
Crise como oportunidade
Apesar das rusgas entre o governo de Jair Bolsonaro e a diplomacia chinesa, Tarso Veloso, da AgResource, não acredita que o gigante asiático deixará, no curto prazo, de comprar produtos brasileiros, em especial a soja. Claudia concorda:
— Os EUA, a despeito de toda a beligerância entre os dois países, estão ampliando o acesso de seus produtos agropecuários ao mercado chinês. Isso pode competir com produtos brasileiros, mas a experiência americana mostra que é preciso negociar com os chineses pragmaticamente, independentemente de questões políticas. O enfrentamento entre o governo brasileiro e o nosso principal comprador nunca ajuda, mas não vejo impacto no curto prazo.
Orlando Ribeiro, do Ministério da Agricultura, diz que a busca de novos mercados faz parte do plano de diversificação das exportações da pasta:
— Não podemos ficar tão dependentes de apenas um produto (soja) e de apenas um comprador (China).
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O avanço do Brasil em outros mercados veio de oportunidades criadas pela pandemia. Problemas enfrentados por produtores de carnes no Canadá e nos EUA, por exemplo, ajudaram os frigoríficos brasileiros. Embora casos de Covid-19 tenham impactado algumas processadoras de carne no Brasil, o impacto por aqui foi menor.
— Nos EUA temos frigoríficos gigantes, a produção é concentrada. No Brasil, os frigoríficos são muito menores, e as unidades são espalhadas por diversos estados. Assim, se um fecha, o impacto no total não é tão grande — explica José Carlos Hausknecht da MB Agro.
Vantagem em carnes
Segundo Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que reúne os principais exportadores de aves e suínos, dos 220 frigoríficos do país nesses dois segmentos, só cinco foram fechados por surto de coronavírus entre funcionários. Quatro já foram reabertos.
Ele espera que o ano termine com alta de 10% nas exportações de aves e de ao menos 20% nas de suínos, com aumento de 5% na produção.
Antônio Jorge Camardelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), diz que a maioria dos frigoríficos do país funciona sem problemas, em um cenário de cuidados na prevenção ao vírus.
A Abiec estima que o faturamento com as vendas externas de produtos bovinos terá crescido 28,3% entre janeiro e maio, na comparação com o mesmo período do ano passado, atingindo US$ 2,8 bilhões.
— As perspectivas são muito boas. O ministério acabou de anunciar a abertura do mercado da Tailândia, e devemos começar logo a vender para Japão, Coreia do Sul e Taiwan — diz Camardelli.
Fonte: “O Globo”