O programa Casseta & Planeta da segunda semana de agosto bateu duramente nas companhias aéreas. Lembrou o que dizem as mães – creio que todas – quando recomendam aos filhos: “Evitem as más companhias, quer dizer …as aéreas!”. O quadro dos cassetas mostrava a frustrada tentativa dos clientes de embarcar na Tabajara Airlines, figurativa de algo que não apenas funciona mal, mas também teima em não buscar solução para o problema aflitivo de quem quer viajar.
Já é hora de começar a lidar melhor com esse trauma e elaborar algumas causas do caos instalado, que mais uma vez ameaça, talvez com contornos sinistros. Tomara que não. Que sejam só embaraços e desconfortos. O fato é que o setor aéreo tupiniquim tem andado no fio da navalha desde o episódio da eliminação da Varig, em 2006. Antes disso, é bem verdade, já não andava bem. Mas o equívoco da sentença de morte contra a maior empresa brasileira do setor deixou um buraco na aviação comercial brasileira que as autoridades ainda não conseguiram superar. Como qualquer serviço público essencial e regulado, a Varig não poderia jamais ter sido desbancada e substituída do jeito atabalhoado que o foi pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e pelo Judiciário. Lembrando: algumas revistas e alguns jornais, na ocasião, repetiam um refrão a favor do “livre mercado”, concluindo que a Varig deveria ter fim por ser sinônimo de ineficiência e bancarrota, pela baderna administrativa e por suas tripulações estufadas para a quantidade de aeronaves em sua frota. Também diziam que a Varig devia os tubos aos credores, sem apontar que ela também era (e ainda é) credora do governo. E que era uma oligopolista agindo como se fosse uma estatal. Etc. Etc.
Fatos: quatro anos se passaram, e o domínio do mercado por duas aéreas só mudou de mãos. A qualidade do serviço não melhorou um milímetro sequer; perderam-se, porém, algumas referências do modo Varig de voar. Além disso, desfez-se o mito do excesso de pessoal, que seria o pior defeito da companhia mais querida do Brasil, pois a relação piloto-aeronave não avançou no padrão da propalada eficiência. Nota: os voos intercontinentais foram para a concorrência externa. E você sabia que 600 dos mais competentes pilotos da antiga Varig foram buscar emprego em Londres, Dubai, Hong Kong, Xangai, Mumbai e Lisboa? Sim, “exportamos” os mais experientes pilotos para o exterior. O que acharíamos de perder para o resto do mundo nossos 600 melhores médicos ou engenheiros? Tragédia. Foi o que aconteceu nas barbas das autoridades. Se o capital humano de uma empresa ou coletividade se vai, o que ocorre em seguida com a qualidade e confiabilidade do serviço? Isso todo mundo sabe responder.
Mas tramita um projeto de lei na Câmara que tenta alterar o Artigo 158 do Código da Aeronáutica, a fim de permitir que se importem pilotos estrangeiros em grandes quantidades para voar em solo brasileiro. Francamente, já fomos mais inteligentes. Sabíamos educar e treinar brasileiros. Hoje, o mote é o corte de custos em pleno voo para, supostamente, melhorar o padrão financeiro das empresas aéreas. Será? A Varig quebrou devendo metade de seu passivo aos próprios trabalhadores, que aprovaram um Plano de Recuperação Judicial para injetar de volta na empresa parte desse crédito como risco. Passaram por cima desse plano para vender ativos picados. E quem depende do fundo de pensão da Varig passa até fome.
É patente a responsabilidade das autoridades nesse processo, que ainda nos fará morrer de vergonha quando chegarem a Copa e a Olimpíada. Se as atuais companhias são um time que joga mal, pior é o técnico, no caso a Anac. Abrindo o site da agência, vemos estatísticas estagnadas em 2008. A ineficiência administrativa, e, no caso da Varig, também a judiciária, não tem paralelo na história da aviação brasileira. A conclusão é paradoxal: nosso sofrido viajante reclama de mofar nas filas dos aeroportos, mas, possivelmente, está mais seguro lá do que voando como sardinha em lata.
Fonte: Revista “Época” – 16/08/10
No Comment! Be the first one.