A busca de contenção do poder absoluto é traço civilizatório fundamental das autênticas democracias políticas. Com olhos de quem viu e bem interpretou a História, o talento singular de Lord Acton bem pontuou que “power tends to corrupt and absolute power corrupts absolutely”. Entre charmes, seduções e vaidades, a natureza humana está sujeita a certos fascínios aliciantes, sendo o poder imã de atração a cantos de sereias irresistíveis. Logo, é preciso autocontenção, serenidade, experiência e sabedoria para diferenciar o eco vazio do som que se faz ouvir. Ou seja, o poder ilimitado pode ser fonte da mais absoluta corrupção, aquela que vai além do aspecto material para invadir a moralidade das instituições, erodindo o aço de confiança entre governantes e governados.
Sabidamente, as lides do poder não são travadas por anjos em ambiente celestial. Mas, como bem dizia Raul Pilla, “é a política ao mesmo tempo a mais bela e a mais feia, a mais nobre e a mais desprezível das atividades humanas. Tanto mais desprezível e feia nas suas deformações, quanto mais nobre e bela na sua pureza originária”. É justamente neste embate interminável do vício com a virtude humana que o exercício do poder, quando medido e responsável, viabiliza a construção de obras políticas duradouras, transformando a democracia em fonte de credibilidade pública e fidúcia cívica. Agora, quando a irresponsabilidade governa os acontecimentos, reacende-se sinal de alerta de que algo não está bem na República.
Quando assumiu cadeira no Senado Federal, em momento político de exceção, a inteligência superior de Paulo Brossard fez questão de assinalar, no discurso inaugural de 19 de março de 1975, que “a segurança é filha da lei; a quebra da legalidade é mãe da insegurança”, vindo a acrescentar: “Quando a lei é editada por quem, legalmente, não tem competência para fazê-lo, quando a lei, como enfeite que se muda de lugar conforme o gosto, ou o capricho, é mudada aqui e ali, consoante conveniência do dia ou o embaraço da ocasião, está rompida a teia invisível da segurança jurídica, sem a qual não há segurança alguma. E, quando os governados não têm seguros os seus direitos, os governantes não têm seguro o seu poder”.
A oração do notável homem público gaúcho cala fundo e sobre ela, frisa-se, não houve censura, apesar dos ventos autoritários de então. Ora, quando a legalidade se torna relativa, as injustiças ganham tons absolutos. Felizmente, sempre é tempo para retomada do respeito milimétrico à lei, elevando o primado das franquias constitucionais das liberdades públicas e privadas. Decididamente, não há mal político que justifique o cale-se ao cidadão. A liberdade de expressão é base fundante da democracia política e não será tolhendo vozes que acabaremos com desatinos febris ou com a estupidez histriônica. Sem cortinas, o processo de aculturamento político do povo deve ser guiado por pautas de tolerância, respeito e pacienciosa pedagogia democrática, privilegiando a dialética social e o amplo exercício da liberdade crítica. E, para os casos eventuais de abusos expressivos, há e haverá o devido processo legal – com juiz competente, contraditório e ampla defesa –, nos termos da legalidade vigente.
No descortinar de fatos impressionantes, estamos a viver tempos desafiadores. Objetivamente, o advento das redes sociais fez ressurgir veemente participação direta do cidadão, sem travas editoriais ou temperamentos jornalísticos, sobre assuntos políticos candentes, o que, em tese, traduz ganho instrumental à experiência democrática. No entanto, o rugir da indignação social pode materializar críticas desmedidas e agressões reprováveis às instituições, autoridades públicas ou adversários políticos. Como bem ponderar, na sociedade em redes, a liberdade de expressão com o necessário respeito à dignidade institucional da República traduz hard case constitucional categórico. Teremos, assim, de resolver este e outros desafios da contemporaneidade andando com altivez, razoabilidade e bom sendo, vertendo esforços para bem compreender a realidade posta e seus novos arranjos, que não mais cabem em soluções anacrônicas ou em empreitadas casuístas.
Em doído momento histórico, na antevéspera do exílio forçado da ditadura getulista, o grande Otávio Mangabeira, um maestro da democracia e exímio intérprete das lógicas do poder, assinalou em letras inapagáveis: “Foi abusando, impunemente, da força contra o direito inerme; foi julgando a liberdade, principalmente dos adversários, coisa de somenos, uma demasia incômoda, em exorbitância perigosa, que a máquina dominante no Brasil, com o concurso de gregos e troianos, erigiu, afinal, em autocracia, o nosso regime presidencial. Ninguém pode tudo. Sobretudo, ninguém pode sempre”.
Não podemos retroceder na luta da liberdade contra o arbítrio, venha ele de onde vier. A História política do Brasil merece culto, homenagem e respeito. A República não começou ontem. As honradas lideranças passadas, apesar de todos os riscos, jamais calaram perante o menoscabo da lei. Que continuemos, com coragem e destemor, os exemplos da virtude.