No último domingo, líderes mundiais se reuniram em Paris para celebrar cem anos do final da Primeira Guerra Mundial. O armistício que consagrou a decisão de interromper essa que foi uma das maiores guerras da história foi seguido no ano seguinte pela Conferência de Versalhes que, entre outras consequências, resultou no redesenho do mapa europeu e de alguns impérios coloniais, assim como na criação de condições favoráveis para a Segunda Guerra Mundial.
Ao ouvir o discurso de Macron, anfitrião e mestre de cerimônias do evento, algumas lições deste período sombrio da história pareceram-me ecoar para o tempo presente. O nacionalismo, processo de construção identitária em que se edificam países em união beligerante contra inimigos comuns, geralmente outros povos, apareceu na fala do presidente da França como o oposto de patriotismo e uma traição aos ideais civilizatórios.
Nada mais correto e atual. Definir a identidade dos habitantes de um país como aqueles que não são o outro e que, portanto, não podem conviver ou receber em seu território os estrangeiros tem aparecido cada vez mais em agendas de líderes populistas europeus e no projeto russo de uma Eurásia, num claro desmonte dos princípios iluministas.
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Na cola, surgem elementos contemporâneos, a serviço de ideias que já deveriam estar superadas. Guerras sempre foram acompanhadas de desinformação e doutrinação de estudantes para servirem à causa nacional, mas as redes sociais permitiram uma aceleração e escalonamento do processo, hoje apelidado de fake news.
Em nome do ódio travestido de nacionalismo, a verdade é a primeira derrotada. Para impedir que a Ucrânia entrasse na União Europeia, por exemplo, os russos se sentiram no direito de veicular mensagens nas mídias associando manifestações na Maidan (praça, em tradução livre), em 2014, contra a desintegração do país e pela adesão ao projeto europeu, a pressões de um pretenso lobby homossexual.
O alerta de Macron dirigiu-se também a Trump, em dois momentos: quando lembrou que, “ao dizer nossos interesses primeiro, os outros pouco importam” e quando se referiu à importância da união de todos para afastar as ameaças globais como “o espectro do aquecimento global”. É bom lembrar que Trump se retirou do Acordo de Paris em 2017.
Uma relação pacífica entre países, mesmo que em condições não ideais, foi um constructo civilizatório. Abandonar esta empreitada para preservar interesses mesquinhos ou pretender reconstruir, mesmo que em novas bases, impérios perdidos e uma visão idealizada do passado será retroceder nos ainda limitados avanços que tivemos como seres humanos.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 16/11/2018