O Brasil está diante de uma riqueza imensa de petróleo da camada do pré-sal a ser explorada nos próximos anos. O especialista Adriano Pires estima uma receita na casa de US$ 750 bilhões em 15 anos. O ministro Paulo Guedes apontou algo nessa mesma magnitude: entre US$ 500 bilhões e US$ 1 trilhão no mesmo período. A intenção do governo federal é garantir a repartição desses recursos com Estados e municípios.
É crucial evitar que os recursos sejam gastos com despesas correntes. Utilizar uma riqueza finita (um recurso não renovável que já vem sendo paulatinamente substituído por outras fontes de energia mais sustentáveis) com despesas que não geram crescimento econômico futuro é receita para o desastre.
O Estado do Rio de Janeiro é exemplo de fracasso nesse quesito: tem usado há anos os recursos dos royalties de petróleo para cobrir o rombo na Previdência estadual, em vez de fazer reformas.
Exemplos semelhantes não faltam entre municípios. Muitos tornaram-se mais dependentes desses recursos e não colheram avanços nos indicadores econômicos e sociais.
Segundo a imprensa, o Ministério da Economia pretende enviar uma proposta ao Congresso vedando o uso dos royalties para o pagamento da folha, devendo ser usados para investimentos e para pagar dívidas com a União e precatórios judiciais. A motivação é clara: a tentação para usar os royalties para pagar as despesas crescentes com a folha é elevada.
Na bonança, Estados e municípios elevaram bastante o número de funcionários públicos e promoveram aumento generoso de salários. Com o envelhecimento populacional, os gastos com inativos crescem rapidamente, pressionando os orçamentos públicos. Segundo o Tesouro Nacional, o déficit previdenciário dos Estados atingiu R$ 101,3 bilhões em 2018.
O Brasil deveria seguir a experiência mundial e criar um fundo de estabilização soberano para evitar o mau uso da receita do petróleo. Países vizinhos já o fizeram: o Chile em 1985 e a Colômbia em 2011.
A ideia é poupar a receita da exploração (riqueza explorada que ganha liquidez) e gastar apenas a renda decorrente (rendimento do fundo). Na década passada, houve proposta de criar um fundo soberano com recursos do pré-sal aplicados no exterior, que é o que fazem os demais países. Infelizmente a ideia não prosperou.
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São várias as motivações para um fundo soberano:
Primeiro, por uma questão de justiça intergeracional. Não é justo as gerações atuais se beneficiarem de uma riqueza natural que deveria ser de todos.
Segundo, para evitar que os gastos públicos tenham caráter pro-cíclico, conforme a oscilação de preços do recurso natural, com repercussões sobre o equilíbrio fiscal e a oferta de serviços públicos nas fases de baixa na receita. Na mesma linha, para afastar o risco de elevada dependência do orçamento público no recurso nãorenovável.
Terceiro, para preservar um ambiente macroeconômico estável, afastando o risco de excessos e bolhas nos mercados. Vale pontuar que a economia brasileira já é bastante sensível ao ciclo de preços de commodities. A desaceleração mundial em curso e seu impacto no Brasil servem de alerta.
Quarto, para afastar a chamada doença holandesa, que traz dificuldades para os demais setores, particularmente os mais sensíveis à concorrência externa. O termo se refere ao efeito da descoberta de gás natural na Holanda na década de 1960 e da escalada posterior de seu preço sobre o influxo de recursos externos e a cotação do florim, cujo fortalecimento contribuiu para a desindustrialização daquele país.
Finalmente, seria desejável reduzir a dívida pública para níveis mais próximos dos registrados em países parecidos, visando à reconquista do grau de investimento.
Em tempos de grave crise fiscal e da constante tentação para a busca de atalhos e artifícios que aliviem as contas públicas, como agora na discussão do “Pacto Federativo”, convém evitar promessas de recursos sem estabelecer contrapartidas ou regras para os gastos. O Leviatã é perigoso.
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2019