Finalmente, Lula passou o bastão. Esperemos que não tenha passado também a prepotência e a mendacidade com que veio se comportando no último ano do mandato.
Uma recente manifestação desse estado de espírito, muito deselegante, foi anunciar, antes que a nova chefe da Nação o fizesse, que Gabrielli continuará como presidente da Petrobrás. Outra foi desautorizar o seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, que, por indicação dele, Lula, será ministro da Dilma. Mantega havia opinado que talvez tivesse que reduzir um pouco o ritmo do PAC, a fim de aliviar a pressão desses dispêndios sobre as contas fiscais. Foi o que bastou para que, do alto das suas tamancas, o rei da cocada preta declarasse para o jornalista que o entrevistava: “Você pode crer, ninguém vai mexer no PAC.”
Até pode ser que ninguém mexa mesmo. Mas a questão não é essa.
A questão, que está agora no colo da presidente, é que é importante debater todos os procedimentos que possam ser usados para conter o impulso inflacionário que está crescendo – nascido da sofreguidão com que Lula se lançou à tarefa de eleger sua candidata. E nada, nenhum dispêndio do governo pode estar fora desse debate, nem mesmo o PAC. Afinal de contas, não foi o próprio Lula quem afirmou, reafirmou e martelou que a Dilma era a “mãe do PAC”? Portanto, deixe a mãe fazer com ele o que achar necessário.
O problema é que o trovejar do seu, agora, ex-chefe levou o ministro da Fazenda, que sabe de cor e salteado que é preciso cumprir a meta de superávit primário – pois é o que tranquiliza os credores do governo, internos e externos – mas é sempre obsequioso, a namorar, de novo, a ideia de dar uma mexida, não no PAC, mas na forma de contabilizar receitas e despesas do governo central, Estados, municípios e empresas estatais, para que, aparentemente, se cumpra a meta. Uma dose a mais de contabilidade pública “criativa” mascara o conflito entre o que é necessário fazer e o que impõe um ex-presidente mais preocupado com sua imagem pessoal do que com os rumos da economia. E amaina por algum tempo as inquietações dos credores defrontados com fatos negativos. Em resumo, basta abater da conta de despesas algumas do PAC, dizendo que não são despesas e, sim, investimentos, e surge do nada um pouco mais de superávit primário para embelezar as tabelas do Tesouro.
O ex-presidente Lula é daqueles que acham que má notícia não é notícia e, como ensinava o Mestre Pangloss a Candido, O Otimista, é preciso apreciar os acontecimentos sempre do melhor ângulo possível, de modo que tudo pareça cor-de-rosa para não ter que resolver problemas.
Mas, talvez, a nova ocupante do Planalto leve mais a sério as más notícias, que grande parte do público nem percebe.
A retomada da inflação é uma delas: a variação do IGPM está bem acima do que é tolerável para a economia brasileira. O não cumprimento da meta de superávit primário é outra. O do governo central, em novembro, foi 85% menor do que no mesmo mês de 2009, e 77% menor que o de outubro. Há uma queda que se está acelerando. Embora o ministro Mantega tenha dito que as dificuldades estão nos Estados e municípios, o fato é que o governo federal precisa fazer, em dezembro, um superávit de R$ 13,5 bilhões para cumprir a sua parte na meta de superávit nacional. Fácil? Não parece, os meses de dezembro são de difícil manejo nesse quesito. No de 2008 o governo federal colheu um déficit de R$ 22,4 bilhões. No de 2009, com grande esforço, teve um superávit de apenas R$ 384 milhões. Em 2010, com as despesas em 12 meses empatadas com as receitas, não há por que achar que a partida está ganha.
Em resumo, as contas fiscais do governo passam para 2011 em estado perto de caótico. Todo mundo que sabe alguma coisa sabe disso. E nem lembramos aqui do déficit em transações correntes nas contas externas, em torno de US$ 50 bilhões. Por sinal, o jornal Valor dizia na sua edição de sexta-feira, na primeira página, que, em janeiro, a agenda da presidente Dilma “será ocupada pelo (seu) programa fiscal”, particularmente pelo decreto de contingenciamento do Orçamento e pelo anúncio de um compromisso com uma meta “cheia” de superávit fiscal, isto é, isenta das manipulações contábeis. Por que será?
Se for verdade, ótimo. Pois nada pode ser mais perigoso que largar as contas fiscais ao deus-dará.
Felizmente, como já dissemos em artigo anterior, consertá-las e colocá-las no rumo certo, a partir do ponto em que ainda estão, não é bicho de sete cabeças. Bons economistas sabem como fazê-lo, e rapidamente. Basta deixá-los trabalhar. Se Dilma quiser, em seis ou oito meses livra-se dessa herança-desastre de Lula.
Mas, se quiser ficar para a História, mudar de fato o País e garantir o desenvolvimento sustentável que proclama como seu objetivo, precisa fazer tudo o que Lula não fez: a reforma tributária, a reforma previdenciária, a reforma político-eleitoral e a reforma institucional dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, que estão em petição de miséria. Só assim fincará a estaca de pau no coração do morto que promete fazer de tudo para não ficar na tumba.
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/01/2011
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