O governo de Michel Temer está “andando de lado” há mais de um ano e não há no país um debate eleitoral denso, com propostas que apontem soluções viáveis para os problemas, avalia o economista Marcos Lisboa, presidente da instituição de ensino superior Insper e secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005. “Não esperava essa superficialidade depois dos problemas que o país enfrentou.” Sem analisar candidatos, Lisboa afirma que o futuro presidente terá de reformar as contas públicas e encaminhar uma agenda liberal para que o país volte a crescer.
A reforma da Previdência não passou, o ex-ministro Henrique Meirelles deixou o governo e a atividade econômica está abaixo do esperado. Teremos um 2018 como se projetava, com alta de 3% da economia?
A gente está tendo um alívio da crise, mas os problemas não desapareceram. Temos problemas estruturais graves para serem enfrentados e, quanto mais demorarmos a enfrentá-los, mais comprometida fica a retomada.
Mas, em 2018, o PIB ainda pode avançar como se esperava?
O ano está refletindo a incerteza do país com as escolhas que vamos fazer. Para as contas públicas fecharem, terão de ser revistas despesas obrigatórias ou haverá aumento de impostos, ou, no pior dos mundos, volta da inflação. Com esse cenário de incerteza, como investir no país? Enquanto não enfrentarmos esses problemas, a incerteza continuará e a economia vai andar medíocre.
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O governo Temer ainda pode fazer algo para melhorar a economia? Ou agora a preocupação central é a eleição?
O governo vem andando de lado há bastante tempo, mais de ano. Teve um começo de governo e um Congresso que funcionaram e conseguiram aprovar medidas que permitiram esse alívio da economia. Teve reforma trabalhista, teto dos gastos, melhora do marco regulatório do petróleo… Essa agenda contribuiu para o país parar de piorar, mas não é suficiente para o país iniciar uma rota de crescimento sustentável.
E isso ficou para 2019?
O difícil é que não é apenas aprovar três ou quatro medidas e você resolve os principais problemas. Tem de iniciar uma agenda longa de melhora do ambiente institucional. Enfrentar o problema dos Estados, por exemplo, passa por rever critérios de promoção automática de servidores públicos que fazem com que o gasto com folha de pagamentos aumente todos os anos, independente de reajustes salariais. Existe um problema generalizado de gestão do setor público. Não é um pequeno conjunto de leis que resolve. Temos um Estado caro para a qualidade dos serviços que oferece. O Brasil é um país que tem um Estado grande, que cuida demasiadamente dos interesses privados e das corporações.
O sr. vê essas questões no debate eleitoral?
Estou surpreso com o debate. Não esperava essa superficialidade depois dos problemas que o país enfrentou. Passamos por uma das mais graves crises da nossa história, temos Estados que não conseguem pagar em dia o salário de policiais e uma estrutura pública que está se depreciando por falta de investimento. O Brasil está se distanciando dos demais países em aspectos básicos de cidadania e desenvolvimento. Com todos esses problemas, o debate parece que está em outro planeta, com temas superficiais, sem discutir como enfrentar os problemas.
Por que isso ocorre? A população não está preocupada com essas questões?
A onda de escândalos que constrange o país dominou, corretamente, o debate. Mas também é tentador imaginar que há saídas fáceis, que com uma lei se resolve o problema da segurança. Não é assim. Temos problema de gestão no setor público e de relacionamento entre os setores público e privado. Entendo o debate estar centrado na punição de desvios passados, mas temos de discutir como se resolve a governança do setor público para que isso não volte a ocorrer. Por exemplo: como temos um desenho regulatório sobre comércio exterior que torna tão difícil operações corriqueiras em outros países, como liberar importação no porto? Isso gera morosidade e dificulta o setor privado a se desenvolver.
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Apesar do debate superficial, há algum candidato pensando em resolver essas questões estruturais?
A dificuldade que vemos na política decorre das dificuldades que vemos na sociedade. Quando vemos propostas extremistas ou saídas fáceis, isso reflete a sociedade que somos. O Brasil vive um momento grande de debate interno. Vemos um Brasil moderno – que defende melhor gestão, concorrência e integração com comércio mundial – e um Brasil que defende os velhos interesses corporativos, seja do setor privado, que defende medidas de proteção, ou das corporações dos servidores públicos, que defendem seus privilégios, como auxílio moradia. Auxílio moradia deve ser dado a quem temporariamente está fora da sua residência por obrigações de trabalho, não pode ser renda adicional. Além do mais, como renda indenizatória, não paga imposto. Que história é essa?
Candidatos tidos como reformistas não estão avançando nas pesquisas eleitorais. Qual a probabilidade de essa agenda que o sr. chama de ‘Brasil moderno’ se impor após as eleições?
Como vai se encaminhar o debate público, vamos assistir. Os problemas estão aí: sabemos que vários Estados não vão conseguir pagar suas folhas de pagamentos. Podemos arrumar as contas públicas ou não. Se enfrentarmos a reforma das contas – e isso significa mexer em temas difíceis no Brasil, como remuneração acima de R$ 30 mil por mês, que não cabe no orçamento público -, temos uma agenda de crescimento à nossa espera.
Fonte: “Época”