Os parlamentares costumam dizer que não existe almoço grátis. É uma forma sutil de comentar que a política envolve interesses — às vezes escusos — e dinheiro, muito dinheiro. A começar pelas campanhas eleitorais.
Segundo o professor da Universidade de São Paulo Bruno Speck, representante no Brasil da organização Transparência Internacional, o último ciclo eleitoral, abrangendo candidatos a presidente da República, governadores, prefeitos e parlamentares, custou oficialmente R$ 8,4 bilhões. Nesse valor estão incluídas doações, repasses ao fundo partidário e horário eleitoral gratuito. Tal montante corresponde a 0,32% do PIB e a apenas R$ 11 por ano para cada brasileiro. Se esse é o preço da democracia, vale a pena ser pago.
Ocorre que a diferença entre o valor oficialmente declarado e o gasto real com as eleições é enorme. Há quem estime que a despesa efetiva seja 10 vezes superior à registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Tal fato não acontece apenas no Brasil. Cada país adota um sistema, mas nem as tradicionais democracias encontraram uma fórmula eficaz que elimine os problemas dos financiamentos eleitorais. Os escândalos têm sido frequentes, por exemplo, nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra e na Alemanha. A peculiaridade tupiniquim é a recorrente impunidade.
No Brasil, antevendo o elevado custo da próxima campanha, a maioria dos candidatos e partidos forma volumoso caixa dois, base financeira dos mensalões. O meio mais usado de arrecadação é favorecer determinadas empresas em licitações, para que prestem serviços aos governos com contratos superfaturados. Em decorrência, os beneficiados agradecem com generosas contribuições eleitorais. Em alguns casos, as empresas são mesmo achacadas com um pedágio ilegal, quase compulsório. As que se recusam a pagar tais propinas são preteridas e substituídas por outras que aceitam o esquema.
Em geral, essas relações promíscuas envolvem total confiança, a ponto de o dinheiro ser entregue em mãos aos beneficiados. Não existem transferências bancárias (como exige a legislação eleitoral) ou a contagem de cédulas, como se observa nos vídeos. A corrupção, ativa e passiva, corre solta. Seria ingenuidade imaginarmos que essa dinheirama vista nas calças, cuecas, meias, envelopes e bolsas destine-se tão somente às campanhas eleitorais. Frequentemente são apreendidas pela Polícia Federal listas com a rubrica “despesas pessoais”, as quais provavelmente explicam o crescimento vertiginoso do patrimônio de alguns políticos.
Seja qual for a destinação dos recursos dos mensalões, já são 12 os partidos em que alguns políticos estão envolvidos. Dezenas de parlamentares, ex-parlamentares e assessores respondem a processos no Supremo Tribunal Federal, em decorrência dos chamados mensalões do PT e do PSDB mineiro. Outros tantos deverão ser indiciados como consequência do recente mensalão do DEM brasiliense, documentado em vídeos de longa-metragem que compõem verdadeiro compêndio sobre a história da corrupção no Brasil.
As cenas retratam um filme que já vimos diversas vezes, sempre com final imprevisível. Como a corrupção não tem recibos e notas fiscais e essa prática eleitoral parece quase generalizada, apesar das imagens estarrecedoras, o filme pode terminar com a vitória dos bandidos sobre os mocinhos. No enredo, até o momento, mensaleiros do passado ironizam os do presente. Enfim, os sujos falam dos mal lavados e a imundice continua. Com o histórico de impunidade existente no país, não se afasta a possibilidade de tudo acabar em pizza, pão de queijo e panetone.
É claro que isso não pode continuar. Espera-se do Congresso Nacional — e já aguardamos há muito tempo —uma reforma eleitoral que limite doações e estabeleça tetos para os gastos de campanhas, entre as inúmeras mudanças necessárias na legislação. Espera-se da Justiça, principalmente da eleitoral, providências imediatas, até sob a forma de condenações, como meio de inibir novos mensaleiros. O assunto tem que ser tratado de forma republicana, apolítica e suprapartidária. Os parlamentares que comprovadamente estiverem envolvidos devem ser punidos exemplarmente, sejam quais forem os seus partidos, em Brasília, Minas Gerais ou qualquer outro estado. Afinal, caixa dois é crime e vestimenta não é cofre.
Assim, deve ser verdade que não existe almoço grátis. Entretanto, diante do lamaçal de denúncias relacionadas, em parte, aos financiamentos de campanhas, constata-se que o custo das eleições está muito alto para os políticos, para a sociedade e para a democracia brasileira.
Fonte: Jornal Correio Braziliense, 11 de dezembro.
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