Na semana passada, escrevi um artigo sobre o Supremo. As coisas de sempre, bloqueio de investigações financeiras, o flerte com o autoritarismo. Mas, com tanto problema interno no Brasil, deixei de lado algo que talvez possa contribuir: a passagem de Greta Thunberg pela ONU e as reações que ela suscitou no Brasil.
Muitos estranharam o fervor da adolescente. Mas ela vem de uma cultura em que, apesar do grande avanço material, a religião ainda tem um peso. A religião é um dos temas resilientes. Ela nunca desaparece, comunistas e liberais são constantemente apontados como adeptos de uma religião secular.
Isso é secundário diante do agravamento da crise ambiental. Ela não só está produzindo personalidades como Greta, mas influencia também as crianças do mundo inteiro. As praias de Alagoas, depois do vazamento de óleo, foram limpas por crianças de escolas primárias, e seu discurso era bastante consciente da gravidade do problema.
Adultos costumam se irritar com a precocidade política. Esquecem, no entanto, que estão diante de um tema singular, diferente dos outros. Crianças o tomam como seu porque entendem que o próprio destino está em jogo. Têm, portanto, legitimidade.
Há uma diferença entre nós, que muitas vezes fomos chamados de ecochatos, e esta novíssima geração. A tendência nos primórdios do movimento era considerar a luta ambiental como uma atitude ética em relação aos que viriam depois de nós.
O discurso de Greta não enfatiza novas gerações, mas a dela própria. É simultaneamente uma cobrança e uma acusação. Os adolescentes se colocam no centro do drama.
As pessoas que combatem Greta ou se assustam com seu tom talvez não tenham ainda uma ideia nítida de como as coisas vão se complicar. Um exemplo disso é o surgimento de novas organizações, um pouco diferentes do Greenpeace e das outras que conhecemos. São grupos que consideram que o ponto de não retorno na degradação planetária pode ter sido atingido e atuam com a ideia de que há uma emergência.
Tomei conhecimento do programa de uma delas, a Extinction Rebellion, que parece estar crescendo na Inglaterra. Eles propõem a desobediência civil pacífica, mas às vezes a polícia intervém e prende alguns deles. Segundo li em seus folhetos, de um modo geral a relação com a polícia costuma ser tranquila, apesar das detenções.
A mesma civilidade não acontece com os estrangeiros que se aventuram a apoiar a Extinction Rebellion. A polícia inglesa é mais dura com eles. Outros fatores entram em cena.
Interessante o caso brasileiro. No mesmo momento em que a questão ambiental torna-se mais dramática, o país radicaliza sua negação de fenômenos como o aquecimento global.
Esta semana, Bolsonaro disse que os estrangeiros não se interessam pelos índios nem pela porra das árvores, mas pelo minério da Amazônia. É uma tese de fácil aceitação entre as pessoas mais simples.
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No discurso de Bolsonaro na ONU ele disse apenas uma vez a palavra biodiversidade, ao referir-se à Amazônia.
A porra das árvores, se as tomamos como um símbolo da biodiversidade, é considerada um recurso invejável, um passaporte para o futuro. Por essa razão, a distância entre a preocupação mundial e as teses brasileiras vai se tornando cada vez mais um abismo.
Supor que tudo o que se passa hoje nesse campo seja apenas uma expressão do marxismo internacional ou mesmo de potenciais exploradores de minério é um gigantesco erro de avaliação.
Não é preciso ter uma visão catastrofista, nem achar que o ponto de não retorno já aconteceu e que o planeta caminha para ser hostil à vida humana.
Basta apenas dar uma chance à realidade, admitir a existência do problema. Isso não significa concordância com qualquer maneira de atacá-lo. Há uma ampla gama de posições disponíveis.
Tratar a biodiversidade como a porra da árvore só traz desalento e leva muitos a pensar que uma parte da humanidade merece os eventos extremos e caminha de forma arrogante para a extinção. Os dinossauros, pelo menos, foram pegos de surpresa. Nem tiveram que ser avisados pelas crianças.
Fonte: “O Globo”, 7/10/2019