No segundo turno das últimas eleições presidenciais em 2018, um terço dos eleitores brasileiros deu um recado claro: escolheu não votar. No total, 31 milhões de cidadãos nem se dirigiram à zona eleitoral. Outra multidão, composta por 10 milhões de pessoas, foram às urnas, votaram em branco ou nulo. O “não-voto” foi praticado por 29,26% do eleitorado. Mesmo com esse cenário, cada vez mais frequente na política brasileira, os projetos de lei que preevem o voto facultativo ou foram rejeitados ou estão paralisados. Afinal, não está na hora de pautar esse debate? O Instituto Millenium conversou com o jurista Fábio Prieto, que afirmou: não há mais justificativa razoável para que as pessoas sejam obrigadas a votar. Ouça!
Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP/MS), Prieto destacou que, de 260 países, pouco mais de 20 têm voto obrigatório, sendo 13 na América Latina. A situação é mais impressionante quando o recorte é feito pelas maiores economias: entre as 10 grandes potências mundiais, só no Brasil o cidadão pode sofrer punição se não sair de casa no dia da votação. “O voto deve ser uma prerrogativa que o cidadão pode exercer ou não. Se o eleitor não quiser votar, é um direito legítimo dele. Nós já temos um grande grau de abstenção hoje em dia, e as próprias sanções, como a multa por não comparecimento, são pífias. Sou totalmente contrário, acho que as justificativas para a manutenção disso são bastante equivocadas”, destacou.
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Fábio Prieto sustenta que a democracia deve ser aceita como “um fato da vida”, ou seja: as pessoas devem ter o direito inclusive a não participar do processo de escolha dos seus representantes. O jurista lembrou que o voto compulsório é mais comum na América Latina, onde existe menor cultura democrática, com longos períodos de regimes autoritários. “Isso acontece em países com pouca tradição democrática, e infelizmente isso tem a ver com a nossa dinâmica histórica. Aí, se cria isso como se fosse a quintessência da natureza humana, como se todos nós devêssemos participar; e naturalmente, atrás disso, se criam sistemas autoritários, caros e corporativos, transformando um direito absoluto. Não é por acaso que, na América Latina, temos uma baixa representação, com partidos que significam muito pouco”, afirmou, ressaltando a necessidade de resgatar o papel dos partidos políticos.
Candidatos teriam que mudar mensagem
Um dos fatores que contribuiu para afastar o cidadão comum do processo eleitoral nos últimos anos foi a dureza com a qual o debate se conduziu. Quando a propaganda eleitoral começa e o horário da novela muda, o cidadão é alvejado com um festival de ataques pessoais e troca de acusações na tela da TV, em horário nobre; e também nas redes sociais. Se o voto fosse facultativo, um aspecto dessa questão, ao menos, deveria ser mudado: o candidato deveria primeiro convencer o eleitor a votar; e, depois, a votar nele. Mas isso poderia contribuir para subir o nível do debate público? Prieto sustenta que sim. “O sujeito que é candidato precisa passar uma mensagem para mobilizar. Aí, há, de fato, uma melhora da tese, do convencimento, da captura do eleitor. Para isso, é preciso falar algo convincente. O que se observa nos países onde o voto facultativo foi adotado é que se sobe de patamar. Esse é outro problema do Brasil. O nosso contraditório político e social como um todo, culturalmente, é muito pobre. Não conseguimos aprofundar as discussões, isso é um pouco da nossa cultura. E o voto facultativo melhora um pouco isso”, disse.
Como qualificar a democracia
Uma Justiça Eleitoral mais enxuta e ágil; e dispositivos como a cláusula de barreira, que acabam com o feirão de legendas que se transformou a política nacional e propicia a formação de menos partidos, com mais força e identidade ideológica: este é o caminho para qualificar a democracia, na visão de Fábio Prieto. “A primeira medida é ter partidos fortes, pois eles representam as ideias predominantes. Tem que ter a cláusula de barreira, por exemplo. Eu também sou contra o financiamento público, acho que o Brasil deveria adotar o modelo privado. É claro que o modelo anterior, que era quase estatal”, citando a mistura que havia entre grandes empreiteiras e os governos, e a necessidade de se formatar melhor as novas regras, evitando os erros do passado.
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Outra ação defendida por Prieto para qualificar o processo democrático teria o condão de reduzir os custos das campanhas e, ao mesmo tempo, melhorar a representação parlamentar: o voto distrital. Para o Congresso Nacional, por exemplo, funcionaria da seguinte forma: cada Estado é dividido pelo número de vagas, e cada deputado seria eleito apenas nessas regiões. Ou seja: São Paulo, por exemplo, que tem 70 deputados federais, teria 70 distritos, e um candidato com base em Campinas faria a campanha apenas na região a qual deseja representar, não tendo que se deslocar até um município como Ribeirão Preto para obter os votos necessários para a vitória eleitoral.
Por outro lado, como a votação seguiria o modelo majoritário dentro de cada distrito, o eleitor saberia para onde o seu voto foi – diferente do modelo atual, quando o voto vai para todo um partido, e o eleitor, eventualmente, ajuda a eleger uma pessoa com a qual discorda completamente. “É preciso dar representatividade ao eleito, que dá força para o voto. Hoje, a pessoa vota no vereador e no deputado e não sabe quem está lá”, disse.
Fábio Prieto, no entanto, afirmou que tudo depende de uma concepção filosófica, distinguindo duas visões nesse processo: uma segundo a qual o indivíduo é um “escravo do processo político”, de Jean-Jacques Rousseau; ou uma visão mais liberal, entendendo que o voto é um dos direitos que o cidadão pode ter.