Crise de legitimidade do governo e de representatividade. Esse é o diagnóstico da cientista social Lourdes Sola para o cenário político brasileiro recente. Em entrevista exclusiva ao Instituto Millenium, Sola explica que há um desencanto com o sistema político-partidário e que os representantes do país permanecem surdos às ruas.
“A sociedade não se sente representada pelo sistema partidário. As manifestações não são apenas contra o governo, mas também por saber que não há canais através dos quais as pessoas possam se pronunciar”, diz ela, acrescentando que, quando o cidadão não se sente legitimado há prejuízo para o regime político. “Na verdade, eu colocaria da seguinte forma: prejudica a qualidade da democracia. Nós não queremos uma democracia barata”. Leia a entrevista:
Instituto Millenium: Como a senhora avalia a democracia brasileira no momento atual? Os protestos são parte do processo democrático?
Lourdes Sola: Eu acho que sim. Estamos diante de uma crise de legitimidade do governo, mas não da democracia brasileira. Não está em questão a democracia. Talvez esteja em questão para aqueles poucos, uma minoria, que pedem intervenção do Exército. Mas a democracia está funcionando razoavelmente bem. O que temos é uma crise de legitimação do governo e também de representação. O que eu quero dizer com isso é que a sociedade não se sente representada pelo sistema partidário e isto é um dos fatores que está na raiz dos protestos. As manifestações não são apenas contra o governo, mas também por saber que não há canais através dos quais as pessoas possam se pronunciar. Então, trata-se de uma convergência entre uma crise de legitimidade e uma crise de representação, o que forma um panorama bastante preocupante, sem dúvida. Mas crise de democracia não é.
Instituto Millenium: As instituições estão respondendo bem a este momento?
Sola: Respondem de maneira disfuncional – algumas bem, outras não. Há o sistema de Justiça – que inclui o Judiciário, Procuradoria e o Ministério Público – funcionando bastante bem. A Polícia Federal também está atuando razoavelmente bem. Ao mesmo tempo, a relação com o Congresso é problemática. Os presidentes do Senado e da Câmara que, na relação de hierarquia, depois do vice-presidente, respondem pelo país, estão sob suspeita, compondo um quadro preocupante.
Instituto Millenium: A que a senhora atribui o temor de uma ação não constitucional, como o de uma intervenção militar?
Sola: Não vejo pedido de intervenção militar. Vejo alguns poucos, uma minoria, gente que clama por intervenção. Uma coisa é um pedido de impeachment, que do ponto de vista constitucional é um direito, embora eu não seja a favor, mas não é golpe. Quando se pede Exército, intervenção militar, neste caso sim, clama-se por algo fora do quadro democrático.
Instituto Millenium: O debate da reforma política e o envio de um pacote anticorrupção para o Congresso Nacional anunciado pelo governo desde 2013 podem mudar esse quadro ou as mudanças precisam ser mais profundas?
Sola: O quadro está contaminado pelo fato de que os representantes não estão ouvindo a sociedade. A presidente propôs, logo depois de 2013, uma reforma política que era muito mais produto de um modelo de interesse predominantemente do PT. A reforma deveria ser um objeto de debate profundo no Congresso e não algo para ser um tapa buraco. A ideia de reforma política necessita de um grande debate. Há projetos no Congresso já muito debatidos, inclusive com certo grau de convergência. De qualquer forma, é preciso, no estágio atual, rediscutir o que consiste uma reforma política para não ser a cara, a conveniência de um partido, mas algo mais amplo.
Instituto Millenium: Há um desencanto com o sistema político ou com os políticos de uma maneira geral?
Sola: Acho que há um desencanto com o sistema político-partidário, com o sistema de representação atual. E o sistema de representação basicamente é o sistema político-partidário. Os interesses dos movimentos organizados, como a CUT, o MST etc, acabam se alinhando com o governo de uma maneira extremamente unilateral. Eu não vi nenhum movimento social organizado falar contra o escândalo da Petrobras. Neste sentido, é que eu digo que esta forma de representação é problemática. Há um tipo de contradição de um governo de uma só direção.
Instituto Millenium: E de que forma isso prejudica a democracia?
Sola: É da essência da democracia ter um sistema de representação e de justiça válido e aceito pela sociedade. Em última análise, o cidadão é que tem a palavra. Se não está sendo legitimado, então, é porque tem alguma coisa disfuncional. Na verdade, eu colocaria da seguinte forma: prejudica a qualidade da democracia. Nós não queremos uma democracia barata.
Instituto Millenium: Nenhum partido político ou grupo organizado controlou os movimentos ocorridos em 15 de março ou pôde reivindicar a sua paternidade. Isso é sinal de amadurecimento da nossa democracia?
Lourdes Sola: Eu acho que sim. Na medida em que houve a participação de vários segmentos sociais, setores, de várias cores e idades, é um progresso, ou seja, o cidadão está participando, tem maior participação, e isso melhora a qualidade da democracia. Não dá pra ficar surdo ao ouvido das ruas. Então, os representantes têm que reagir. Eles estão tentando. Por exemplo, o pacote anticorrupção é uma maneira de reagir. Só que esse cidadão não quer só olhar para frente. Ele quer que sejam punidos aqueles que fizeram [atos ilegais] lá atrás. O pacote, aliás, é complicado porque cozinhou coisa que já existia, então, de novo não tem muito. Além disso, a verdade é que ele só diz “daqui em diante”, mas e a responsabilização? As pessoas pagam impostos e querem saber como é que a presidente e as demais autoridades se definem frente a isso. As pessoas querem saber, de agora em diante, como se gasta. Mas também querem saber lá para trás, quem é o responsável. Se a causa do problema não é removida, também não se cura o futuro, e a prevenção se torna complicada.
Instituto Millenium: É o momento de o governo fazer uma autocrítica?
Lourdes Sola: Claro, mas não faz. O governo está surdo. É a mesma atitude com bastante autoridade, dizendo “agora, eu digo que precisamos disso”. A mudança político-econômica é bastante profunda, mas não há uma explicação.
Instituto Millenium: Qual é o papel do Congresso neste momento em que se fala de impeachment?
Lourdes Sola: Eu acho que não há chance de [um pedido de impeachment] passar pelo Congresso. Neste momento, porque houve erros de execução do Executivo, o Congresso está aumentando sua autonomia, o que não quer dizer que está melhorando o sistema de representação. A população não enxerga nem no Calheiros [Renan Calheiros, presidente do Senado Federal] nem no Cunha [Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados] representantes dignos de seu avanço. O Congresso tem que ir pelo lado institucional. Para que tenha impeachment é preciso provas. Então, o papel do Congresso, em princípio, é decisivo. Mas é decisivo também o sistema de Justiça interpretar se é ou não constitucional, dependendo da acusação.
SOLUÇÃO SERIA TROCAR ESSA FALSA DEMOCRACIA POR OUTRA QUE TIVESSE LEGITIMA REPRESENTIVIDADE. sem o que, o Brasil seguirá como sendo O PAÍS DO FUTURO.