A semana trouxe contribuições inestimáveis para a série “Não tem nada de mais”. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Antonio Dias Toffoli, pegou uma boca-livre em um belíssimo hotel na Ilha de Capri, a convite do advogado Roberto Podval, que levou um grupo de amigos, na faixa, para seu casamento lá. Ocorre que Podval advoga no Supremo e tem, no momento, processos relatados pelo ministro Toffoli.
Em nome da ética, da prudência e da necessidade de manter a aparência da coisa certa, o ministro deveria: ou não aceitar a cortesia ou não julgar os processos do noivo.
Certo? Errado, disse o ministro, explicando que ninguém tem nada a ver com sua vida privada e que não é amigo íntimo do advogado, podendo, pois, julgar seus casos. Já Podval disse que são amigos há muitos anos e que é um absurdo imaginar que Toffoli dê uma sentença favorável por causa de dois dias grátis em Capri.
Ocorre que o noticiário e os críticos não haviam dito isso — que o advogado estava, digamos, comprando um voto. Ao contrário, se dizia que, justamente para evitar esse tipo de desconfiança e de suspeita, o juiz deveria evitar esses eventos. Quando os dois envolvidos na história dizem que “não tem nada de mais”, mostram não perceber a dimensão do serviço público. Toffoli tem maior responsabilidade. Mas o advogado amigo deveria evitar o convite ao menos para não pensarem que ele recorre a artifícios não jurídicos.
Foi só um gravador
Uma comissão do Senado Federal, em decisão assinada por José Sarney, declarou que não tem nada de mais quando um senador, incomodado com uma pergunta, arranca o gravador das mãos de um repórter. Quem fez coisa errada, diz o senador envolvido no caso, Roberto Requião, foi justamente o repórter, ao fazer perguntas indevidas (sobre a aposentadoria do político).
Vai daí que uma pessoa qualquer, irritada com um discurso do Sarney, por exemplo, pode ir lá e arrancar o microfone? Aí tem muito, não é mesmo?
Político e dono
O sujeito é deputado e depois senador. Como parlamentar, vota o orçamento da União, obras e gastos. Como integrante da base do governo, indica nomes para cargos no Executivo e nas estatais. Paralelamente, empresas das quais esse político é o dono conseguem contratos com o governo e estatais. Qual é o problema? — questiona o senador Eunício Oliveira. Não tem nada de mais, dizem correligionários e colaboradores, pois ele não participa da gestão das empresas. É só o dono, nem sabe como funciona o negócio.
Só embolsa os lucros, porque, afinal, o senhor sabe, a empresa é dele. O caso das empresas do senador Eunício tem sido mais frequente na mídia, mas essa relação é comum no país. E é flagrantemente irregular. É claro que não pode.
Não pode o juiz aceitar uma boca-livre do advogado. Não pode o senador tomar o gravador. Não podem as empresas do senador contratarem para o governo dele. Não se sabe o que é mais absurdo — o fato ou a singela resposta “Não tem nada de mais”.
Se todos roubam…
Mais ou menos na mesma linha, a coluna da semana passada, sobre o uso de dinheiro público na Copa e seus estádios, provocou respostas que nos deixaram entre surpreendidos e preocupados. Alguns leitores aderiram totalmente à tese do “locupletemo-nos todos”. Se tem roubalheira por toda parte, escreveram, se os políticos se aproveitam dos cargos, se o governo ajuda tantas empresas e bancos, por que não dar dinheiro para os estádios da Copa?
Leitores corintianos — alguns, claro — foram ainda mais longe. Acham que seu time tem direito de receber dinheiro público para a construção do estádio por uma série de motivos: é um time popular, ou seja, representa parte do povo; sua torcida movimenta negócios; outros times ganharam presentes equivalentes; e, afinal, todo mundo mete a mão. No que se refere ao debate proposto sobre a prioridade dos gastos públicos — vale a pena gastar em estádios em vez de aplicar em hospitais e escolas? O estádio do Corinthians seria a melhor maneira de estimular o desenvolvimento da região de Itaquera? —, algumas respostas foram ainda mais desanimadoras. Alguns leitores simplesmente entenderam que sendo o colunista um torcedor do São Paulo estava simplesmente tentando torpedear o estádio do “rival”. Outros ainda disseram que havia uma conspiração carioca para levar o jogo de abertura para o Maracanã.
Digamos, com boa vontade, que há aí apenas o efeito negativo de paixões regionais e/ou por clubes. Mas é preocupante a frequência com que se repete o argumento pela generalização da roubalheira. Se todos pegam o dinheiro público para fins pessoais, partidários ou de grupos, não tem nada de mais você pegar o seu.
Fonte: O Globo, 28/07/2011
Essa matéria do Sardemberg mais a do Nelson Motta hoje no Estadão (Coragem e Generosidade) nos dão a real situação de nosso país nos dias atuais. Então eu pergunto: o que mais falta para nos indignarmos e irmos às ruas, numa espontânea primavera tropical, sem a orquestração de políticos oprtunistas, ONG idem, UNE idem idem e sindicatos idem idem idem. Basta !!!!