Há alguns anos, 2008 ou 2009, não me lembro bem, estive na Argentina com um amigo para visitar autoridades e economistas locais. Na ocasião, no jantar com um desses economistas, meu amigo perguntou sua opinião sobre o então presidente do BCRA (banco central), Martín Redrado. Ele suspirou, olhou para nós e, caprichando no insuperável sotaque portenho, confidenciou: “Martiiiin… ¡Martin es un pusilánime!”.
Não pude deixar de me lembrar disso ao ler a Carta Aberta do presidente do nosso BC ao ministro da Fazenda, explicando as razões pelo estouro espetacular da meta de inflação (10,7%, ante 4,5%, muito além dos dois pontos percentuais de tolerância). Aqueles com paciência para encarar 5 páginas e 38 parágrafos do que, em meu tempo de escola, era conhecido como “encher linguiça” podem até ficar com pena da atual diretoria do BC, que se coloca como impotente e surpresa diante do choque inflacionário, mas, se for o caso, terão sido devidamente enrolados.
A narrativa do BC é a mesma desde 2014: a inflação refletiria dois processos de mudança de preços relativos, isto é, o ajuste dos preços administrados (como energia ou combustíveis) vis-à-vis preços livres, assim como a elevação dos preços de bens afetados pelo dólar (normalmente exportados e importados) em comparação àqueles cujo preço depende essencialmente das condições domésticas (tipicamente, mas não apenas, serviços).
Diante desses choques, caberia ao BC apenas evitar sua propagação aos demais preços, por exemplo, reduzindo a demanda para que empresas não repassassem integralmente o aumento das tarifas de energia sobre o preço dos seus produtos, ou o custo das matérias-primas importadas.
Ao atribuir a culpa pela inflação de 2015 aos preços administrados, porém, o BC deixa de lado algumas informações importantes. Em primeiro lugar, deveria reconhecer que tanto em 2013 como em 2014 a inflação só se manteve dentro dos limites de tolerância graças à prática (irresponsável) de contenção artificial dos preços públicos. Sua negligência inicial no trato com a inflação se encontra, portanto, na raiz da política de controle de preços entre 2012 e 2014 e, por consequência, da necessidade do ajuste em 2015.
Já no que se refere ao efeito do dólar, vale praticamente o mesmo ponto. O BC, por meio de suas intervenções, represou o ajuste da moeda e é, ao menos em parte, responsável pela forte desvalorização do real no ano passado.
É verdade, reconheço, que o dólar saltou de patamar após o infeliz anúncio do Orçamento para 2016 e dos sinais cada vez mais claros da incapacidade do governo no que se refere ao controle de seus gastos.
No entanto, enquanto agora o BC culpa o desempenho fiscal, em todas as suas manifestações oficiais anteriores afirmara que, “no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade e não [se] descarta a hipótese de migração para a zona de contenção”, ou seja, sem maiores críticas à política fiscal, muito ao contrário. Hipocrisia pode ser a homenagem que o vício presta à virtude, mas um pouco mais de sutileza não faria falta.
Trata-se, enfim, de um documento pusilânime, em que o BC foge da responsabilidade pelo problema que criou. Que use de mais coragem na Carta do ano que vem.
Fonte: Folha de S. Paulo, 13/01/2016.
Alexandre, o que não se observa é que já existe uma inflação espalhada dos preços não administrados. E só não é maior face a profunda recessão. O que não se está falando é que governos estaduais quebrados estão fazendo um aumento do ICMS para fins de tentativa de aumentar a arrecadação e um forte aumento dos preços administrados pelos mesmos. O que não se está falando é que a inflação de dois dígitos acarreta uma reajuste salarial, principalmente no organizado setor público, de dois dígitos, o que em decorrência acarreta também mais inflação. Por fim, não se está falando com a necessária contundência que um quadro de dominância fiscal já se faz presente. O BC podia fechar as portas, pois o incompetente Tombini já não tem, como nunca teve, serventia alguma ao país. É inexplicável a sua manutenção no cargo.