O Supremo Tribunal Federal não sabe garantir a liberdade de expressão, mas sabe se meter na vida dos outros. E mal.
A disputa pela guarda de Sean, um garoto de 9 anos que, como todos os outros, não pediu para nascer – muito menos para ser o centro de um barraco judicial –, é uma lástima. Um outdoor da estupidez humana.
É o tipo do caso em que os contorcionismos do direito podem dar razão a qualquer um dos lados. Os magistrados sensíveis à família Sarney perderam uma ótima oportunidade de ficar calados.
Uma corte capaz de dizer nem sim, nem não, muito pelo contrário, à extradição do ex-guerrilheiro Cesare Battisti, entregando a decisão ao filho do Brasil, deveria lavar as mãos também no caso Sean. Mãos que, aliás, estão precisando ser lavadas.
Se Battisti foi deixado no Brasil, numa decisão que mistura falta de decisão, política e inércia, Sean também deveria ser. Era a hora de o tribunal declarar às partes, solene: “Virem-se!”
O menino vive no Brasil, está adaptado, assistido, provido material e afetivamente, e declara que quer ficar no país, com a família que o abriga. Isso é pouco? Que a Justiça garanta ao pai biológico o direito de vê-lo regularmente. E o pai biológico que se encarregue de conquistar o coração do filho, se for capaz. É simples.
A burrice institucional já foi longe demais nesse caso. No teste psicológico a que foi submetido, aos 8 anos, Sean chegou a ser acusado de contradição, por dizer que viajara com o padrasto para a praia, quando tinham ido para a serra. É de matar a raça humana de vergonha.
Um menino que viu a mãe morrer no parto da irmã, e como se não bastasse teve que se ver, em seguida, em plena idade da inocência, no centro de uma guerra irracional entre adultos. Sean já levou pancadas emocionais para uma vida inteira.
Pouco mais de um ano após a morte da mãe, fica sabendo, às vésperas do Natal, que terá que ir embora de casa com o pai biológico, que mal conhece. É a sociedade fazendo tudo certo para triturar um indivíduo.
Deixem Sean em paz. A decisão de se afastar dos Estados Unidos e do pai biológico americano foi de sua mãe. O fato de ela ter falecido não apaga esse direito de escolha. E falar em seqüestro nesse caso, em Haia, na serra ou na praia, é ridículo. A não ser que a convenção tenha revogado o bom senso.
O bom senso diz que o pai biológico ainda tem que nascer para o filho. Que se garanta o acesso regular dele a Sean. Em família, o afeto precede a biologia. Não está na lei. Está na cara.
(Publicado em Época)
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