Três ministros do governo japonês caíram nos últimos quatro meses, envolvidos em denúncias de mau uso do dinheiro de campanha. A sequencia chegou agora ao primeiro-ministro Shinzo Abe, acusado de receber doações irregulares de duas companhias privadas.
Montante das doações: a espantosa cifra de R$ 14 mil. A ilegalidade apontada: as empresas doadoras haviam recebido subsídios do governo.
Se essa regra existisse no Brasil, nenhuma das empresas envolvidas na Lava-Jato poderia ter feito doações. Todas recebem financiamentos subsidiados do BNDES.
A regra faz sentido. O subsídio — empréstimo a juros baixos ou redução de impostos — é um favor concedido pelo governo. Logo, há motivos para suspeitar de troca de favores. Então, a empresa ganha um subsídio e pouco depois dá dinheiro para a campanha do primeiro-ministro?
Abe informou que recebeu os 14 mil reais mas alegou que não tinha como saber que as doadoras recebiam subsídios públicos. Esse, de fato, é um ponto em discussão nos meios políticos japoneses, de modo que o caso permanece ainda sem solução.
Já um experiente político, Koya Nishikawa, renunciou em janeiro passado ao cargo de ministro da Agricultura, também por um caso de possível conflito de interesses.
Ele, Nishikawa, recebeu a fortuna de R$ 24 mil de uma companhia do setor de açúcar. O possível conflito: como ministro da Agricultura, ele participava da negociação de acordos internacionais de comércio, os quais, de algum modo, regulariam a exportação e importação de açúcar.
É isso mesmo que o senhor e a senhora leram: havia uma possibilidade de que Nishikawa, em negociações públicas e abertas, se considerasse meio que forçado a defender interesses das companhias que lhe haviam doado aquele dinheirão.
Renunciou, dizendo que, sim, havia recebido as doações, que, não, não havia traído a confiança dos eleitores, mas que a possível suspeita inviabilizava moral e politicamente sua permanência no governo. Reparem de novo: a denúncia saiu na imprensa, não há processo legal, nenhuma acusação nos tribunais.
Em outubro, duas ministras haviam renunciado na mesma situação. Jornais veicularam acusações de mau uso de dinheiro de campanha, e isso bastou para que as ministras renunciassem e pedissem perdão aos eleitores.
Examinadas aqui do Brasil, essas histórias parecem exageradas. Então o sujeito renuncia porque há uma suspeita, uma desconfiança, um possível mau passo numa situação controvertida? E por essa mixaria de dinheiro?
O que mostra o tamanho de nossa crise moral e política. Então uma companhia ganha um contrato bilionário de uma estatal, recebe empréstimo subsidiado para tocar a obra e em seguida faz doações milionárias para os partidos que mandam na estatal — e isso não tem nada de mais?
Aliás, um partido mandar em uma superestatal também não tem nada de mais? Dizem os cínicos: então, de que adiantaria ganhar a eleição?
Há mais: então uma construtora assina contrato com a estatal, sem concorrência, recebe subsídio e em seguida paga uma consultoria milionária para um influente dirigente do partido do governo — e tudo bem?
Coincidência, diz o dirigente. Nem sabia que a tal construtora trabalhava para o governo, não é mesmo? De qualquer modo, garante, tem nota fiscal para os serviços prestados.
Consultoria séria é coisa séria. Tem reuniões entre o consultor e os clientes, atas dessas reuniões, estudos e documentos encaminhados, controle de horas de trabalho.
É bem diferente daquela consultoria em que o cara vai lá, dá uns palpites, umas dicas por telefone e embolsa um milhão.
[su_quote]Como pode um político nessas condições dirigir o Senado ou a Câmara dos Deputados ou um órgão do governo ou simplesmente exercer um mandato?[/su_quote]
Na mesma linha, os partidos dizem que as doações foram registradas na Justiça Eleitoral. Se os doadores são clientes do governo, bem, o que se há de fazer?
E desafiam os políticos acusados: provem que eu recebi o cheque; ou provem que o cheque foi propina ilegal.
A lista de Janot é muito mais do que uma “simples” denúncia de imprensa. Os políticos ali citados estarão sendo alvos de uma investigação formal, iniciada porque o procurador-geral da República e um juiz da Suprema Corte entenderam haver indícios suficientes para isso.
Como pode um político nessas condições dirigir o Senado ou a Câmara dos Deputados ou um órgão do governo ou simplesmente exercer um mandato?
A MP 669 até pode ser inconstitucional. Mas quem acredita que Renan Calheiros a derrubou por esse motivo e não por causa de sua disputa com Dilma e sua possível citação na lista de Janot?
No Japão, se o cara renuncia por causa de uma doação possivelmente suspeita de R$ 24 mil, o que faria se apanhado numa Lava-Jato? Haraquiri com humilhação?
Seria um exagerado derramamento de sangue, certamente. Mas, por aqui, nem um pedidozinho de licença, nem um “foi mal, desculpa aí”?
Fonte: O Globo, 5/3/2015
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