Não raras são as manifestações de funcionários públicos do estado do Rio de Janeiro reclamando por mais daquilo que parte da sociedade se acostumou a chamar de “direitos” ou questionando devidamente o atraso de pagamentos e gratificações como o 13º salário. É comum, num primeiro momento, afeiçoar-se pela “causa do funcionalismo” dada a “função social” das atividades daqueles que são empregados pelo Estado. Acontece, porém, que a defesa radical dos interesses dos servidores pode embaçar as vistas para o monstro do colapso fiscal que se anuncia cada vez mais próximo. É importante refletir, caro leitor: são, de fato, todos os servidores que servem ao povo fluminense ou esta seria muitas vezes uma relação inversa — e consequentemente perversa?
Deixou de ser novidade para a maioria da população que o “dinheiro do governo” é, na verdade, dinheiro do contribuinte — apelido indolor para o pagador de impostos. É desse dinheiro, a receita do Estado, que saem verbas destinadas para áreas como saúde, educação e segurança. No segundo quadrimestre de 2018, pela primeira vez em quase dois anos, o estado do Rio conseguiu respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal no tocante aos limites com gasto de pessoal. O problema, no entanto, está longe de ser solucionado. Um estudo realizado pela economista Ana Carla Brandão Costa, publicado no e-book “Como Escapar da Armadilha do Lento Crescimento”, projeta um cenário devastador para a contas do estado em 2022, quando 99,5% da receita líquida do Rio de Janeiro podem ser destinados exclusivamente para o pagamento de salários, aposentadorias e auxílios a servidores. Uma total paralisação dos serviços já precariamente oferecidos à população. A solução precisa ir além das reformas.
É sabido da importância dos funcionários públicos para a manutenção da máquina estatal e da prestação de serviços essenciais à sociedade. O problema é que falta transparência no trabalho exercido pelos servidores e na real necessidade de um quadro de funcionários tão oneroso — e também na abertura de novos concursos. Faltam critérios objetivos para o estado manter cargos que vão da base ao topo da pirâmide do funcionalismo, não apenas no Rio de Janeiro, mas em todos os entes federativos. Na semana passada, sete estados enviaram carta ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando que a Corte restabeleça a medida que autoriza corte no vencimento de servidores com a consequente redução na jornada de trabalho. O motivo? Ajuste das contas públicas (leia-se contas da população). O pedido evidencia o que muitos se negam a enxergar: é possível reduzir o trabalho dos servidores; até mesmo a exoneração deveria ser uma opção, não fossem tantos os impeditivos legais para a concretização de um valor tão caro à iniciativa privada: a eficiência. A estabilidade, o Eldorado dos concurseiros, não tem nada de sagrada para a população.
A diferença da remuneração dos servidores e dos celetistas — aqueles funcionários contratados com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em sociedades de economia mista e empresas públicas e fundações de Direito Privado instituídas pelo Poder Público — também salta aos olhos. No Rio de Janeiro, um levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC) mostrou que a desigualdade na remuneração chega a 79,5%. No Distrito Federal a situação é ainda pior: a diferença salarial entre servidores e celetistas é de 142%, como revela reportagem do Correio Braziliense, apontando para uma clara falta de sintonia de reajustes que não levam em consideração o mérito ou a eficiência dos serviços prestados. É importante lembrar que nem mesmo momentos prósperos na economia podem ser usados como justificativa para aumentos salariais e contratações equivocadas, como aconteceu após o boom do petróleo com a descoberta do pré-sal, no Rio de Janeiro. De 2010 a 2014, as despesas com servidores da ativa cresceram 54%, de acordo com levantamento da Comissão de Tributação da Alerj, um salto e tanto. É impossível não sentir os efeitos negativos da irresponsabilidade.
A incapacidade da população de arcar com tantas despesas com folhas de pagamento se reflete mais do que nunca nas condições precárias das estruturas de saúde, educação e segurança do estado. É um ciclo de ineficiência que se retroalimenta e atinge, além de todos os cidadãos, os próprios servidores de hospitais, delegacias e escolas, que diante de condições precárias de trabalho têm suas capacidades profissionais postas a verdadeiras provas de fogo; a ineficiência do sistema limita cada vez mais a dignidade do trabalho de muitos servidores que se dispõem a trabalhar com profissionalismo. É preciso que a sociedade reflita, diante da preocupante situação fiscal do estado do Rio de Janeiro, os caminhos para uma necessária reavaliação do quadro de servidores bem como a importante pressão por mais transparência e prestação de contas do funcionalismo. Para reverter a situação, são necessárias mais do que reformas, e sim um pacto pró-eficiência que envolva a todos os contribuintes e os três poderes, tanto nos estados quanto nos municípios e na União. “Nenhum direito a menos” é uma das frases mais ouvidas nos últimos anos entre lobistas de categorias muito organizadas que defendem com vigor seus próprios interesses. Já passou da hora do contribuinte se mobilizar pelo seu direito mais básico: a liberdade, e para isso o cidadão fluminense e todos os brasileiros podem contar com o trabalho do Instituto Millenium.