A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, conhecida internacionalmente por descobrir quantos neurônios o cérebro humano realmente tem e por um artigo 100% brasileiro na revista “Science” sobre a quantidade de dobras cerebrais nos mamíferos, embarca nos próximos dias para Nashville, no Tennessee, onde vai assumir o posto de professora dos departamentos de Psicologia e Ciências Biológicas da Universidade Vanderbilt.
Em um artigo na revista “Piauí”, disponível apenas para assinantes, a neurocientista explica os motivos de sua partida para os EUA: frustrada com as condições precárias para a prática da ciência no Brasil, a pesquisadora carioca preferiu trabalhar num ambiente com mais recursos, no qual poderá se dedicar a suas atividades de pesquisa.
A cientista explica que vários de seus projetos tiveram financiamento aprovado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), só que o dinheiro jamais foi liberado de fato. “Se já era difícil fazer ciência de excelência com recursos escassos, com recursos inexistentes tornou-se impossível”, escreve Suzana.
Por isso, ela resolveu tirar dinheiro do próprio bolso, cerca de 25 mil reais, para garantir a continuidade das atividades de pesquisa em seu laboratório.
Quando isso não foi o bastante, ela recorreu ao crowdfunding e arrecadou R$ 113.201,00 para “garantir ao menos que meus alunos terminassem suas teses”. Para entender a penúria do financiamento científico, vale notar que esse valor é o dobro do que o CNPq se comprometeu a pagar ao laboratório de Suzana por três anos. O dinheiro acabou em cinco meses.
No artigo em que justifica sua partida, Herculano-Houzel critica a derrocada do sistema de financiamento da ciência pelos governos federal e do estado do Rio de Janeiro e a carreira engessada e sem estímulos dos pesquisadores contratados como funcionários públicos em universidades federais. “Não importa o quanto um cientista produza, o quanto se esforce, quanto financiamento ou reconhecimento público traga para a universidade – o salário será sempre o mesmo dos colegas que fazem o mínimo necessário para não chamar a atenção”, escreve.
Essa situação não está restrita a apenas um laboratório. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) teve seu orçamento reduzido em quase 25% – o menor dos últimos 12 anos, em valores corrigidos pela inflação. Por isso, o CNPq suspendeu a concessão de bolsas no exterior por tempo indeterminado; e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) suspendeu o cadastramento de novos bolsistas e congelou 7.408 bolsas. A Faperj, por sua vez, sofreu corte de 50% nos recursos.
Segundo a neurocientista,
“No Brasil, o financiamento é apenas o suficiente para dar ao governo números para encher a boca: já são mais de 10 mil novos doutores ao ano, dizem (sem completar a frase como deveriam – “com chances mínimas de conseguirem emprego como pesquisadores de fato”). Infelizmente, muitos apenas brincam de cientista fazendo “trabalhinhos” (palavra desses colegas, não minha) que replicam o que foi feito lá fora – o que permite aos alunos a experiência da iniciação científica, mas não a geração de conhecimento”.
O artigo de Herculano-Houzel desenha um quadro muito pessimista do ambiente para a prática da pesquisa no Brasil. É possível que desperte reações acaloradas de alguns colegas – e é desejável que suscite a discussão crítica de alguns pilares sobre os quais se assenta o sistema brasileiro de ciência, tecnologia e inovação.
Fonte: “Piauí”, maio de 2016.
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