As negociações para a definição de alianças à disputa presidencial revelam como o poder em boa parte dos partidos segue sendo exercido por caciques que se perpetuam no comando. Levantamento feito pelo “Globo” com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que 15 das 35 siglas registradas têm presidentes eternizados no cargo. Para especialistas, essa prática mostra falta de democracia interna e controle da burocracia por oligarquias.
As lideranças enraizadas há mais de uma década ou desde a fundação — o que ocorre nos partidos criados recentemente — estão presentes em todo o espectro eleitoral brasileiro. Vão desde legendas tradicionais, como o PDT de Carlos Lupi, e o PPS de Roberto Freire, a nanicos das mais variadas matizes ideológicas, como PSTU, PRTB e Democracia Cristã — o antigo PSDC. Também incluem siglas médias criadas durante os governos petistas, como PSD, PROS e Solidariedade. Juntas, essas 15 agremiações receberão 20% dos valores destinados aos fundos partidário e eleitoral em 2018, cerca de R$ 474 milhões.
O caso do pedetista Lupi é emblemático. Herdeiro político de Leonel Brizola, assumiu o controle do partido após a morte do ex-governador do Rio, em 2004. Lidou com movimentos oposicionistas usando todas as prerrogativas do cargo, como a possibilidade de destituir comissões estaduais e municipais. Há alguns anos, em meio a um motim com a participação dos netos de Brizola, chegou a acumular a direção nacional do partido com o comando dos diretórios estadual e municipal do Rio de Janeiro. Venceu e viu os opositores rumarem para outras siglas.
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Lupi diz que já enfrentou chapas de oposição em eleições internas e venceu a disputa. Para ele, não é possível falar em falta de democracia interna no PDT.
— Eu não passei um dia na presidência do partido que não fosse confirmado pelo voto dos meus companheiros. De dois em dois anos tem convenção para eleger a presidência — diz, sem prever quando se dará a renovação no partido: — Acho que vai acontecer, mas não sei prever quanto tempo isso leva. Isso acontece naturalmente.
Roberto Freire comanda o PPS desde 1992, quando o partido foi criado a partir do que restou do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Deputado federal, senador e ministro, comandou a legenda em diversas mudanças de rumo. Da extrema esquerda a um posicionamento reformista de centro, passando por uma oposição radical aos governos petistas e a um alinhamento ao PSDB. Foi até uma posição independente nos últimos anos, que culminou com o apoio à candidatura de Eduardo Campos (PSB) à Presidência em 2014, herdada por Marina Silva após a morte do ex-governador de Pernambuco em um acidente aéreo.
Para um integrante da executiva nacional, aliado de Freire e que pediu o anonimato, os 26 anos de comando são reflexo da representatividade do líder e não ameaçam a democracia interna.
— Já houve companheiros que levantaram essa tese da renovação, mas o debate sempre foi feito e superado. Freire é reconduzido sempre por quase a unanimidade do partido. Ele segue no cargo pela representatividade que tem na política nacional, mas o centro decisório do PPS é o secretariado — defende.
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Para o sociólogo Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a permanência de lideranças por décadas no comando de partidos mostra falta de conexão com a sociedade.
— Isso é sintoma de que os partidos não têm democracia interna. Eles têm dono. Uma oligarquia se apodera das estruturas e trabalha para garantir seus próprios interesses.
Se a falta de renovação no comando é um cenário comum em siglas históricas, o mesmo ocorre nas mais recentes. Criados entre 2011 e 2013, PSD, PROS, Solidariedade e Patriota são controlados até hoje por seus articuladores. Segundo o cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília (UnB), a liderança de partidos é um grande ativo para figuras como Gilberto Kassab e Paulinho da Força, que deixaram legendas tradicionais (DEM e PDT, respectivamente) para criarem suas próprias siglas.
— Comandar um partido dá prestígio e acesso a outras lideranças. Todos os líderes políticos precisam cortejar os demais. Isso faz com que uma das figuras de maior status na política brasileira seja o líder partidário — explica Caldas.
Poder aumenta com comissões provisórias
Uma das armas das lideranças nacionais para assegurar o controle dos partidos é manter comissões provisórias nos diretórios municipais e estaduais. A prática é criticada pelo TSE, que já aprovou resolução obrigando os partidos a institucionalizarem suas instâncias regionais. A aplicação na norma, porém, vem sendo adiada.
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Dados levantados em janeiro mostravam que mais de 70% desses órgãos tinham caráter provisório, em todos os partidos do Brasil. Isso faz com que a direção nacional possa desfazer as comissões a qualquer momento, inibindo o surgimento de dissidências. No PROS, 99,7% dos diretórios eram provisórios. Esse percentual alcançava 98,3% no Patriota; 89,9% no Solidariedade; e 84,1% no PSD.
Eurípedes Junior, presidente nacional do PROS, diz que vem autorizando a instalação de comissões permanentes em muitos estados.
— Em nosso entendimento, não existe falta de democracia interna, tanto é que o PROS talvez seja o partido mais preparado para o diálogo com seus filiados, e as decisões têm sido tomadas com ampla participação das bases do partido, de forma transparente e aberta.
Em nota, o PSD diz cumprir a legislação e o estatuto do partido. Ressalta que outros membros exerceram o comando interinamente. Ministro da Ciência e Tecnologia, Kassab atualmente está licenciado do comando para exercer o cargo no governo: “Desde sua fundação, no final de 2011, a presidência do partido foi exercida por Gilberto Kassab, Guilherme Campos Junior e Alfredo Cotait Neto. Vale ressaltar ainda que as comissões possuem autonomia para debater e definir suas ações localmente, o que também acontece no plano nacional, sempre em sintonia com o estatuto partidário e a legislação vigente”.
Outros dirigentes partidários também ganham destaque em época de eleições, como candidatos nanicos ao Planalto. É o caso de Levy Fidelix, do PRTB, José Maria Eymael, do Democracia Cristã, e Zé Maria, do PSTU. Figuras carimbadas nas disputas presidenciais, eles garantem sua vaga nas urnas com o controle da máquina partidária.
O caso mais polêmico é o de Fidelix. Presidente do PRTB desde 1997, ele já disputou mais de uma dezena de eleições desde os anos 1980, sempre com votações inexpressivas. Seu melhor desempenho veio na disputa pela Presidência em 2014, quando terminou o primeiro turno em sétimo lugar, com mais de 446 mil votos. Ele já foi alvo de diversas acusações por ex-integrantes do PRTB, como manipulação de convenções e cobrança de multas de filiados com mandatos eletivos ou cargos comissionados que migrem para outra sigla — esta última prática admitida publicamente. Chegou a ser destituído do cargo pela Justiça, mas conseguiu retomar o comando da executiva nacional, na qual também emplacou parentes.
— Até estes partidos disputam doações de campanha e, sobretudo, também negociam participação nos governos que se elegem — explica Baía, que faz uma avaliação particular sobre o PSTU: — Participa de eleições porque disputa a hegemonia do poder sindical, onde é forte, com PT, PSOL e PCdoB.
Fonte: “O Globo”