O programa foi o seguinte: quatro dias de treinamento, num hotel, para 300 funcionários da Administração dos Serviços Gerais – o equivalente, no governo americano, a um Ministério da Administração no Brasil. Custo: algo como R$ 1,5 milhão, o que dá R$ 1.250 por pessoa/dia, pensão completa.
Nem é tanto assim, considerando que se tratava de um hotel cinco-estrelas em Las Vegas, incluindo-se no programa aulas e cursos variados. Mas a chefe da Administração, Martha Johnson, renunciou a seu cargo, na semana passada, e seus dois principais assessores foram demitidos – tudo por causa dessa despesa.
Ocorre que uma auditoria interna encontrou alguns, digamos, exageros. Por exemplo: R$ 5.800 para um “mentalista”, que leu as mentes do pessoal; e nada menos do que R$ 135 mil para técnicos que ensinaram como montar uma bicicleta.
Para um órgão que se dizia empenhado em programas de cortes de gastos e promoção de eficiência não caiu bem.
Ocorre que toda a coisa foi montada em escalões médios. A ministra-chefe não participou diretamente, não ordenou a despesa nem assinou os cheques. Aliás, os funcionários diretamente responsáveis foram suspensos e estão sendo processados. Não há suspeita de roubalheira. Trata-se apenas de desperdício de dinheiro público.
Foi o que bastou. A ministra demitiu seus assessores diretos e renunciou. Explicação: a direção é responsável pelos atos dos funcionários; a cúpula é responsável por toda a organização.
Já por aqui, no Brasil, o Ministério da Pesca foi apanhado recentemente, por reportagem deste Estadão, num gasto muito mais complicado do que a festança americana. Trata-se da compra de 28 lanchas, por R$ 31 milhões.
Tanto o Ministério não precisava daquele tipo de embarcação – para vigilância da costa – que está transferindo os barcos para a Marinha e para a Polícia Federal. E, até a semana passada, 23 lanchas estavam paradas, dois anos depois da compra. Mais: o dono da empresa que vendeu as lanchas para o governo é ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e doou R$ 150 mil para a campanha eleitoral petista em Santa Catarina, em 2010.
O ministro da Pesca na ocasião da compra, Altemir Gregolin, é político petista, de Santa Catarina. Em 2011, foi substituído pela senadora Ideli Salvatti, também de Santa Catarina, candidata a governadora naquela eleição em que o vendedor das lanchas doou os R$ 150 mil. Durante a campanha, Ideli participou de solenidade de assinatura dos contratos de aquisição das embarcações.
Explicação dos envolvidos: não tem nada de mais.
Dizem: Ideli não pediu a doação; o dinheiro não foi para a campanha dela, mas do partido (por acaso, o partido dela); quando ela se tornou ministra da Pesca, a compra já estava feita, não havia mais o que fazer; não se pode dizer que a compra foi equivocada ou suspeita; não há nenhuma relação entre o negócio e a doação; o doador doou porque quis; e também não há nada contra os funcionários que administraram o negócio, embora a operação tenha sido condenada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Ou seja, a ministra americana foi uma idiota. Demitir-se por causa de uma despesinha de R$ 1,5 milhão? E o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que exigiu as providências, certamente aplicou um rigor exagerado. Quer mostrar o quê? Que a faxina lá é maior do que aqui?
Por um plágio
Pelos mesmos critérios de Brasília, o ex-presidente da Hungria Pal Schmitt também é um idiota.
Imaginem que o cara renunciou por ter sido acusado de plágio numa tese acadêmica apresentada 20 anos atrás, quando ele nem sonhava em entrar para a política.
Nenhuma denúncia de roubo, nenhuma doação eleitoral suspeita, nem sequer uma investigação sobre gastos exagerados. Apenas isto: a sua tese de doutorado, de 1992, se parece muito com o trabalho de um outro acadêmico.
Schmitt nega o plágio, diz que vai se defender, mas renunciou dizendo que o debate público sobre o caso impedia o exercício correto da Presidência.
Poucos meses atrás, aconteceu a mesmíssima situação com o então ministro da Defesa da Alemanha, Karl-Theodor Guttenberg. Renunciou, envergonhado, em meio a um debate nacional sobre a sua ética, ao ser apanhado numa suspeita de plágio acadêmico. Só isso.
Se fosse aqui, não lhes aconteceria nada. No Congresso Nacional e no Executivo, prevalece a ideia de que atos cometidos antes do exercício do mandato e do cargo não justificam punições e/ou demissões.
O ministro fez consultorias “estranhas”? Mas ele não era ministro. O deputado bateu uma carteira? Espera lá, ele nem era candidato por ocasião daquele roubo.
Por aí se vê, aliás, como é mais escandaloso o caso do senador Demóstenes Torres. Ele nem pode argumentar que tudo ocorreu antes do exercício do mandato. Foi tudo como parlamentar.
É verdade que, até aqui pelo menos, não há suspeita de roubo ou de malversação de dinheiro público. A denúncia é “apenas” de prática de lobby, que não é regulamentado, mas também não é crime, e de serviços de advocacia particular para um contraventor.
Se o senador não tivesse feito carreira como defensor da ética e da ordem, talvez o caso acabasse esquecido. Imagine se o personagem dessa história fosse o… (o leitor coloque aqui um nome de sua escolha), a reação seria: “Não se podia esperar outra coisa”.
Mas logo o Demóstenes Torres, o senador da ficha limpa! Convenhamos: estamos no fundo do poço.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 09/04/2012
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