Em um país onde são editadas por dia 32 normas tributárias, as empresas se veem forçadas a aumentar cada vez mais suas equipes da área fiscal para entender e acompanhar todas as mudanças de regras. Isso mesmo num cenário de crise econômica, quando o volume de negócios não justifica um aumento do efetivo de profissionais. Hoje, o país tem uma regra tributária para cada 550 habitantes. É um volume muito maior do que há 10 anos — quando era uma norma por 780 pessoas. O nó tributário — que acumula a criação de mais de 377 mil regras nas três últimas décadas — também se reflete no dia a dia das empresas.
A gigante de pneus Michelin, que atua em 170 países, tem atualmente um quarto de toda a sua equipe jurídica e fiscal do mundo sediada no Brasil, destaca o presidente da companhia para a América do Sul, Nour Bouhasson.
— A vida é difícil para uma indústria no Brasil. Aqui há uma complexidade fiscal, jurídica e trabalhista. Não é só o imposto. Isso complica muito para as empresas. O Brasil tem 7% do faturamento mundial e 26% das pessoas da área fiscal do mundo estão no país — comparou o executivo.
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A fabricante de produtos de limpeza Limppano quadruplicou sua equipe fiscal nos últimos quatro anos. Segundo Alex Buchheim, diretor-geral da empresa, a maior parte dos funcionários cuida hoje da chamada substituição tributária. Ele explica que, dependendo do estado, o produto é classificado de uma forma, o que exige uma alíquota diferente de antecipação do ICMS.
— O número de funcionários da área aumentou para um melhor acompanhamento das leis e decretos que regulam a questão tributária e fiscal no país para essa área de bens de consumo. Isso é uma loucura, pois a empresa não cresce nesse ritmo — destacou ele, lembrando que a Limppano registrou um crescimento de 13% ano passado, atingindo faturamento de R$ 140 milhões.
No Brasil, 13 funcionários para impostos. Na Argentina, só 3
A equipe dedicada a área fiscal e tributária da Pernod Ricard Brasil é a maior de todas as afiliadas nas Américas, incluindo Canadá. A companhia tem um time de 13 pessoas composto de analistas, supervisores e gerentes. Apenas nos Estados Unidos e no México a companhia também uma gestão específica para tributos, porém com um time operacional equivalente a menos da metade do time brasileiro. Na Argentina, por exemplo, onde a operação é tão representativa quanto no Brasil, existem apenas três profissionais dedicados a impostos, dentro da gerência de finanças.
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— São mais de 2.300 horas por funcionário por mês totalmente dedicados à tarefas de compliance, fiscal e tributário, sem considerar as horas usadas pelo departamento jurídico em temas relacionados à natureza tributária. Na Argentina, gasta-se pouco mais de 500 horas e em outros países da América Latina nem há profissionais com a totalidade do seu tempo dedicado a impostos — disse Sirley Lima, diretora Jurídica e de Relações Governamentais da Pernod Ricard Brasil
Essa necessidade ganha força com as cerca de 3.700 normas tributárias que as empresas têm que seguir, calcula o advogado Bruno Calfat, sócio do escritório Bruno Calfat Advogados. Segundo ele, tantas regras e atualizações acabam criando uma insegurança jurídica e consumindo cerca de 1,5% do faturamento anual.
— Todo esse peso tributário prejudica a competitividade. Isso é nocivo, pois inibe a criação de novos empregos e o aumento de produção. E, em um cenário de crise econômica, todo esse efeito é potencializado. Um dos principais problemas para as empresas é a guerra fiscal, pois cada estado determina diferentes tarifas, gerando um cenário desafiador para as empresas, que precisam ter funcionários específicos para isso apenas.
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O aumento no número de funcionários vem ainda acompanhado com um maior investimento em equipamentos que monitoram as modificações na legislação, gerando custo de cerca de R$ 60 bilhões por ano, revelam dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
A complexidade e a multiplicidade das leis tributárias no país, além do intenso trabalho das equipes especializadas de advogados que as empresas têm que ter para interpretar e executar as normas, geram elevado número de questionamentos que se arrastam há anos na justiça. Isso, segundo advogados, aumenta a incerteza para as empresas executarem seus planos de investimentos. Muitas leis, afirmam os especialistas, estão em vigor com base em liminares concedidas principalmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Um exemplo desse emaranhado tributário está relacionado à inclusão do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) na base de cálculo do PIS e Cofins. O projeto, que se arrasta há duas décadas, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado, que julgou que o ICMS não integra a base de cálculo das contribuições para o PIS e o Cofins. Segundo Alessandra Gomensoro, especialista em direito tributário do Mattos Filho Advogados, a discussão envolve uma cifra bilionária, pois implica na possibilidade de recuperação de valores que foram recolhidos pelas empresas nos últimos anos e podem chegar, destaca Alessandra, a R$ 250 bilhões.
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— As empresas entendem que é ilegal e incostitucional essa cobrança. Do outro lado, o governo argumenta que não terá condições de arcar com os custos de um eventual pagamento dos valores envolvidos nos últimos anos. É engraçado que o argumento econômico funciona para o lado do govenro. E o impacto nas empresas de usar o ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins esses anos todos? Durante todo esse tempo, as empresas tiveram que recolher esse imposto, com uma carga tibutária mais elevada – destacou Alessandra.
Segundo estudos do Banco Mundial, as empresas no Brasil gastam cerca de 1.958 horas por ano para lidar com a burocracia tributária, número bem superior à média dos países desenvolvidos (OCDE), que é de 160,7 horas por ano. Já em comparação com a Argentina, o país hermano gasta 311,5 horas por ano.
— O Brasil tem um sistema tributário extremamente complexo, com uma multiplicidade de tributos que faz as empresas gastarem muitas horas por ano tentando cumprir com todas as obrigações. E essa complexidade do nosso sistema só leva a gente a ter mais discussões. Os tribunais estão abarrotados de discussões. O intuito da reforma tributária seria diminuir essa quantidade de tributos para três. É preciso algo mais simples, até porque essa multiplicidade de leis gera inúmeras discussões — destacou Alessandra.
Fonte: “O Globo”