Pela Lei de Execução Penal, o trabalho é dever de todo condenado que está no sistema prisional. Seria uma forma de ressarcir a sociedade do mal causado pelo crime que ele cometeu. Mas, no Rio, a massa carcerária está longe de pagar essa conta: dos 51.787 presos do estado, apenas 4% trabalham (2.171). A média nacional é de 15%. A situação é tão grave que vem deixando o Rio no penúltimo lugar entre os 27 estados, segundo o governo do estado. Em Minas, por exemplo, a proporção chega a 30%. Entre as razões apontadas para a difícil reinserção do preso no mercado de trabalho, estão a crise que levou o presidente Michel Temer a decretar intervenção na segurança e a imagem que os presos fluminenses têm de serem muito perigosos.
— Existe muita resistência por parte dos empresários para contratar apenados. Quando se fala de empregar um preso, as pessoas pensam logo nos bandidos perigosos, mas não é assim. A maioria dos nossos condenados não é violenta. Além disso, para estar apto ao trabalho, o apenado passa por uma seleção muito rigorosa. Ele é um preso que está em regime semiaberto e tem até direito a fazer visita periódica ao lar. Ao contratar esse interno, o empresário está contribuindo para a reinserção dele na sociedade, mas também reduzindo os custos de pessoal de sua empresa em cerca de 40% — afirma Fernando Vidal, presidente da Fundação Santa Cabrini, órgão responsável pela gestão do trabalho dos presos no estado.
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Segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária, dos 2.171 presos em atividade laboral no Rio, 1.371 atuam fazendo faxina nos próprios presídios e apenas 800 estão em empresas privadas ou órgãos públicos. Apesar de baixo, o número representa um aumento de 25% em relação ao ano passado. Só a Cedae contrata hoje cerca de 400 apenados, parte deles para projetos de reflorestamento.
Na tentativa de aumentar o número de vagas, o atual secretário de Administração Penitenciária, o delegado David Anthony, está formatando um decreto de cotas, que obrigará as empresas que participam de licitações no estado a contratarem um percentual de presos:
— O decreto terá os mesmos moldes daquele assinado pela ministra Cármen Lúcia, em 24 de julho passado, quando ela estava no exercício da Presidência da República. Ele estabelece que, em contratos a partir de R$ 330 mil, a mão de obra deverá ter um percentual de presos. Mas já estamos conversando com órgãos do estado e com prefeituras para que eles usem esse pessoal. Por isso, estamos realizando cursos profissionalizantes.
FALTA DE CONFIANÇA
O secretário afirma que o Rio precisa entender que o preso é parte da sociedade e precisa de oportunidades para ser reintegrado:
— Ele não ficará preso para sempre — destacou Anthony, que participou recentemente de uma feira de trabalho de presos em Santa Catarina e ficou impressionado com o grau de envolvimento do empresariado do estado do Sul. — Lá, há um presídio em que foi instalada uma linha de montagem completa por uma empresa de telefonia. Quase todos os funcionários são detentos.
Para a socióloga Julita Lemgruber, o problema do Rio é muito antigo:
— Essa falta de confiança no preso é histórica no estado. Nos anos 1980, organizei palestras com empresários com o apoio do então cardeal do Rio, dom Eugenio Salles. E, quando dirigi o sistema penitenciário de 1991 a 1994, também fiz palestras na Associação de Pequenas e Médias Empresas, justamente tentando seduzir os empresários para conseguir ocupar a mão de obra do preso. Sempre houve uma reação muito grande. Diziam que os presos iriam destruir as oficinas durante rebeliões, que iriam roubar os produtos. Não existe nada disso. Inclusive, quando há algum tumulto em unidade prisional, a preocupação dos internos é exatamente proteger suas oficinas de trabalho.
Hoje há nove fábricas privadas dentro de presídios. Em geral, os presos ganham um salário mínimo. Um percentual de 5% do que eles ganham vai para o governo. O trabalho do detento garante redução da pena: a cada três dias de jornada, é um dia a menos de prisão.
Fonte: “O Globo”