Quando a confiança de empresários e consumidores fica muito tempo em baixa, como é o caso atual no Brasil, ela tende a demorar mais a se recuperar e, por isso, a recessão deverá se prolongar, equiparando-se às crises do início dos anos 80 e, depois, dos anos 90, avalia Aloisio Campelo Jr., superintendente adjunto de Ciclos Econômicos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Segundo o economista, os indicadores de confiança apontam aceleração e retração dos ciclos da economia, ou seja, num primeiro momento, a recuperação significará apenas que a queda da atividade diminuiu. O problema é que, se a confiança da indústria começou a melhorar no fim do ano passado, não é possível dizer o mesmo sobre os consumidores, que poderão demorar a voltar às compras e, portanto, a movimentar a economia. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que significam os indicadores de confiança para a atividade econômica?
No dia a dia, criou-se uma tradição, aqui e no mundo, de usar muito esses indicadores para antecipar o ciclo. Em termos de tendência, eles estão sempre sinalizando acelerações e desacelerações da economia. Existe certa simetria entre o nível (do indicador de confiança) e o tamanho do buraco em que você está, quando está em recessão, ou o ritmo de crescimento, quando está em expansão. Apesar disso, os indicadores de confiança não são iguaizinhos aos que medem a atividade como o PIB (Produto Interno Bruto). Os de confiança são influenciados por uma série de fatores.
E como ficaram os indicadores de confiança em 2015?
Entre os empresários, a confiança continuou caindo ao longo do ano, inclusive no quarto trimestre, exceto pela indústria, que teve uma ligeira melhora. Uma parte do setor industrial registrou alguma melhora do nível de estoques. Percebemos que, pelo canal do câmbio e da demanda externa, a indústria tem alguma expectativa de melhora, mas, como é um setor que exporta menos de 20%, a substituição de importações é mais importante e ela depende da demanda interna. E a demanda interna, para onde vai? O consumidor colocou um freio nos gastos. Agora, ele vai voltar a gastar? Isso é uma coisa que vamos ter de observar no primeiro trimestre. Os números de dezembro ainda são muito ruins.
É um nível de confiança típico de recessão?
Sim, o nível, em termos históricos, é comparável ao de outras recessões. A gente tem um nível muito baixo, só comparável com a recessão do (ex-presidente Fernando) Collor (que durou 11 trimestres, do terceiro trimestre de 1989 ao primeiro de 1992, conforme datação feita pela FGV). Em termos de tempo num nível muito baixo, a confiança atual é comparável com (a recessão de) 1981 e 1983, mas, em magnitude, com a (recessão) do Collor.
Dá para vislumbrar um ponto de virada na economia?
O índice de confiança pode virar antes, porque ele sinaliza acelerações e desacelerações. Se a economia está retraindo a 4% e passar a retrair a 3%, já é uma aceleração, compatível com uma alta do índice (de confiança), mas isso é diferente de sair da recessão. Se no primeiro trimestre a economia crescer 0,5% e no segundo voltar a cair, não vai significar uma virada do ponto de vista da recessão, mas já é uma aceleração (do ciclo econômico).
O que precisa acontecer com a confiança agora para a gente vislumbrar uma saída da recessão?
Olhando os índices em si, tanto os empresariais quanto o do consumidor, quando você está no fundo do poço, uma virada já é uma boa notícia, mas ela só significa nesse momento que as taxas de crescimento estão começando a ficar menos negativas. Geralmente, a virada vem com acelerações mais fortes e rápidas dos indicadores de expectativa (os indicadores de confiança têm dois subíndices, um que mede expectativas nos próximos seis meses, outro que mede a situação atual). Isso vai depender da calibragem dos orçamentos das empresas e domésticos, que ainda está em curso.
Esse ajuste pode atrasar a retomada da confiança?
Quando a confiança cai durante muito tempo, ela também demora mais para se recuperar, principalmente quando cai por motivos internos do país, como é o caso do Brasil. Fizemos um estudo com alguns países e, em média, no caso da confiança industrial, o indicador demora, em média, 50% do tempo que passou caindo para voltar ao pico, e um terço do tempo que passou caindo para voltar à média. Como a confiança está caindo há muito tempo, é razoável supor que não vá voltar muito rápido.
É possível fazer uma virada rápida, como diz a oposição?
A gente pode ter uma virada tanto com uma oposição assumindo quanto com algum consenso em torno do governo atual. O cenário político é muito incerto. Com o atual governo, é um pouco mais difícil, porque já houve um início de governo e, de lá para cá, houve perda de apoio no Legislativo. Se as notícias que circulam são de que o incumbente atual, seja qual for, está tendo apoio e está conseguindo aprovar medidas, a não ser que sejam medidas ultra impopulares, a confiança tende a ter uma recuperação mais rápida, mas vale aquela questão: o tempo de recuperação depende do tempo de queda.
O ajuste fiscal pode mesmo recuperar a confiança?
Acho que sim. Isso é mais factível do ponto de vista do meio empresarial. Já há uma percepção, no meio empresarial, e isso é difundido pelas associações de classe, de que o desequilíbrio fiscal vai inviabilizar uma recuperação contínua da economia, vai dificultar ações do governo para estimular a economia, vai dificultar a concessão de crédito, vai atrapalhar a confiança do investidor estrangeiro. Isso está implícito e colaborou, aos poucos, para essa queda da confiança. Na parte do consumidor, isso é menos claro, mas ele acaba sendo influenciado.
Alguns economistas defendem incentivos ao crescimento. Eles surtiriam efeito, dado o nível de confiança?
Acho difícil imaginar uma recuperação da confiança, pelo lado empresarial, muito consistente, enquanto não houver uma sinalização clara de equilíbrio fiscal. Neste momento, teriam de ser estímulos que não piorassem de forma clara a situação fiscal. Algo como medidas de atração para o capital estrangeiro, concessões. Do ponto de vista do consumidor, se forem medidas que piorem muito a situação fiscal, há um risco grande de aprofundar ainda mais a recessão, porque, se as medidas não aumentarem o otimismo dos empresários, não vão mexer com o mercado de trabalho expressivamente, o consumidor vai também se segurar e as medidas podem ter algum impacto inflacionário, influenciando negativamente a confiança do consumidor.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 10 de janeiro de 2016
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