“Você precisa ter o produto certo, com a linguagem certa”. Segundo o fundador da Avante, agência de soluções financeiras que atua em favelas, Bernardo Bonjean, esse é o segredo do sucesso do seu negócio. Presente em Paraisópolis, a maior favela de São Paulo, e em onze municípios do Nordeste, a empresa oferece crédito que cabe no bolso dos microempreendedores das áreas mais pobres das cidades.
As ações da Avante valorizam 170% ao ano, segundo Bonjean. Além de falar a língua dos clientes, outro diferencial que ajuda a entender como o negócio decolou é a valorização dos funcionários. “Cem por cento das pessoas que trabalham na empresa se orgulham disso”.
Crescer nas favelas não é fácil. Para enfrentar as resistências, como a presença de agiotas, o empresário, que largou a carreira no mercado financeiro para buscar realização profissional, contou com o apoio da Central Única de Favelas (Cufa). “A Cufa foi a nossa porta de entrada nas favelas”, esclarece. Leia a íntegra da entrevista:
Instituto Millenium: Como funciona uma agência de soluções financeiras que atua nas favelas? Qual é a diferença entre a Avante e uma financeira tradicional?
Bernardo Bonjean: Para funcionar em uma favela, uma agência financeira precisa se adaptar àquela realidade. Não adianta esperar que a favela se adeque às agências do asfalto. Duas coisas precisam ser ajustadas. A primeira são os produtos: não adianta querer vender um seguro saúde para uma pessoa que não pode pagar R$ 200, R$ 300 por mês. O produto tem que caber no bolso do cliente. Temos plano de saúde que custa R$ 22 mensais. O segundo fator que precisa ser adaptado é a linguagem. A linguagem deve ser simples e transparente, ao mesmo tempo. Para alcançar o sucesso, é preciso ter o produto certo, com a linguagem certa.
Dizemos que os moradores das favelas pertencem à classe “G”, de gente. Nessas áreas, há pessoas da classe A, com renda de mais de R$ 1 milhão, e pessoas com renda próxima de R$ 1mil por mês. O nosso público-alvo são os microempreendedores formais e informais, com CPF (Cadastro de Pessoa Física) positivado ou negativado.
Os moradores das comunidades estão endividados e nossa intenção não é oferecer um crédito para agravar a situação. A gente quer fomentar o empreendedorismo e o aumento da renda, elevando os empreendedores a novos patamares.
Imil: Por que você decidiu apostar neste negócio? O que o motivou?
Bonjean: Eu trabalhei 15 anos no mercado financeiro, que é muito frio e voltado para o stakeholder – neste caso, os acionistas. Para mim dinheiro é troféu, jogo golfe, faço rally de moto. Não tenho intenção de ter helicóptero nem barco, não é isso que me motiva. Por isso, resolvi criar uma empresa de impacto que, ao mesmo tempo, resolvesse algum problema do país e criasse valor para os acionistas.
As ações da Avante valorizam 170% ao ano. Há 2 anos, a empresa valia R$8 milhões. Atualmente, vale R$42 milhões. Estamos construindo um negócio para alcançar o valor de R$ 1 bilhão. A nossa meta principal é ajudar o microempreendedor.
Imil: A Avante teve problemas com agiotas, pessoas que emprestam dinheiro de forma informal e com juros muito altos? Houve algum tipo de resistência ao serviço da empresa nas comunidades?
Bonjean: Para entrar na favela é preciso ter um interlocutor. A Central Única de Favelas (Cufa), ONG com escritório na sede da Organização das Nações Unidas, é nossa sócia. A Cufa foi a nossa porta de entrada nas favelas. Eu jamais iria para um território como esse sem apoio. Existem casos de pessoas que tentaram levar empresas de microcréditos para favelas e foram expulsas por agiotas. Enquanto nossos juros começam com margem de 2,5%, os agiotas cobram em torno de 15, 20%.
Imil: O que é um serviço financeiro humanizado? Como surge esse conceito?
Bonjean: Serviço financeiro humanizado significa ser amado por todos os stakeholders. No caso da Avante, o cliente é o mais importante. Em todas as reuniões da empresa deixamos uma cadeira vazia, que representa o cliente. Antes de tomar qualquer decisão pensamos se ela é boa para o cliente. A gente não trata os clientes como número.
Nos EUA, 85% dos trabalhadores não se sentem tratados como pessoas e sim como recursos. Quando falo sobre humanizar, eu me refiro a ser amado pelos clientes, funcionários, investidores e parceiros. No final do dia, há mais funcionários engajados, menos rotatividade na equipe e a fidelidade do cliente.
Imil: Além da consultoria financeira, a Avante acompanha o desenvolvimento dos projetos dos seus clientes? Como?
Bonjean: Não acredito em orientação financeira. Atualmente, a taxa de mortalidade das empresas é de 50% por duas razões: o microempreendedor brasileiro compra caro e vende para um público de baixo poder aquisitivo. É preciso criar inovações para ampliar o poder de compra do microempreendedor. O nosso agente faz um acompanhamento. Temos casos de pessoas que começaram emprestando R$400 e hoje estão no sexto ciclo, emprestando R$ 14,2 mil.
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