Principal fiador da política econômica do governo Temer, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirma que o futuro do país depende do ajuste fiscal. Segundo ele, a aprovação do teto para os gastos públicos é a base para a realização de outras reformas.
O que muda na condução da economia a partir da conclusão do processo de impeachment?
Vamos prosseguir no ritmo de ajuste fiscal. O que, basicamente, envolve uma modificação da Constituição, que é prerrogativa do Congresso. Vamos continuar participando intensamente do debate de maneira que possamos, de fato, conseguir a aprovação o mais rápido possível da PEC dos gastos, da reforma da Previdência e a conclusão da votação do projeto (de renegociação) da dívida dos estados. A agenda intensa vai continuar de forma acelerada. Do ponto de vista dos mercados, (a conclusão do impeachment) é positiva porque elimina uma incerteza que é baixa, mas existe. Consolida-se uma melhora de confiança na economia.
Vencida a agenda do impeachment, a pauta do governo será 100% concentrada na economia?
Sim. Não há dúvida de que passa a ser a prioridade número um. Hoje já é uma prioridade do governo, mas eliminada essa incerteza, o foco no ajuste fiscal passa a ser ainda maior. Do ponto de vista da equipe econômica, nossa missão é realizar o ajuste fiscal.
A necessidade do ajuste mudará a forma de atuação do governo?
Esse assunto vai muito além da postura do governo. É uma questão de que, pela primeira vez em 28 anos, estamos propondo uma mudança na trajetória da evolução dos gastos públicos no Brasil. O outro lado é que, porque é uma mudança constitucional, esse ajuste tem que seguir o rito legítimo e democrático que em qualquer país do mundo tem que ser discutido com o Congresso.
O governo não deveria mostrar mais claramente o compromisso com o ajuste? Existe a percepção de que o governo é duro no discurso, mas parece flexível nas ações…
Devemos esclarecer cada vez mais a essência do ajuste. Todos os ajustes feitos até agora no Brasil foram pontuais. Guerra de guerrilhas, ou seja, luta em cima daquela parcela do Orçamento que não é definida pela Constituição e que não é compressível. Estamos propondo um ajuste estrutural. Isto é, um limite para o crescimento das despesas que altera fundamentalmente sua dinâmica. De 1991 a 2015, as despesas cresceram uma média de 6% acima da inflação. De 2008 a 2015, mais de 50% acumulados acima da inflação. Aprovada a PEC, isso tem um efeito fortíssimo. Se a PEC 241 tivesse sido adotada em 2006, a despesa total do governo federal, ao invés de ser 19% do PIB hoje, seria de 10% do PIB. Isso mostra o impacto que essa medida tem ao longo do tempo. O Brasil seria outro país. Algumas pessoas dizem que (o efeito da PEC) demora, mas o que precisa ficar claro é que os mercados precificam as mudanças a valor presente.
Aprovada a PEC, a elaboração do Orçamento será uma questão de escolhas na hora da definição dos gastos dentro do limite estabelecido?
Exatamente. A partir daí, poderemos ter uma discussão orçamentária no país em outros termos. É discutir qual a vantagem de ter uma determinada despesa ou não ter. Despesas da União sempre têm alguma justificativa. Mas temos que discutir quais são as despesas públicas prioritárias no Brasil.
Isso tira o Congresso da zona de conforto, não?
Isso mesmo. Na nossa avaliação e muitos parlamentares concordam que isso vai valorizar o papel do Congresso e vai definir de fato quais são as despesas prioritárias da União.
Alguns analistas já apontam problemas na PEC, como o impacto do reajuste do Judiciário em 2017, que excederia o teto específico para esse poder. Isso é um risco para a proposta?
Isso foi olhado quando a PEC foi proposta. Isso pode ocorrer esse ano ou daqui a 10 anos. Sempre poderá existir de um poder ter despesas acima do teto. Se isso ocorrer, há mecanismos de ajuste na própria PEC.
E se eles não forem suficientes?
Será sempre suficiente porque a PEC prevê que estão vedados novos reajustes em caso de descumprimento do teto. Como o teto cresce com a inflação, certamente qualquer aumento a mais pode provocar uma violação. Novos reajustes não seriam possíveis. Evidentemente que nada impede também que o Executivo possa, se isso ocorrer, quando ocorrer, ceder parte do seu limite para algum outro poder. Já existe essa possibilidade entre governo federal e estados no caso das metas de resultado primário. Várias coisas, como esta, poderão ser debatidas posteriormente. O importante é que o teto tem que ser estabelecido. Com ele estabelecido, precisaremos cuidar de outros pontos, como a reforma da Previdência e questões referentes ao abono, etc…
Sem a PEC é o fim da política econômica do governo Temer?
O que digo é que a PEC é a medida mais eficaz, mas não existe algo que seja ou isto ou nada. Quaisquer políticas alternativas teriam um custo político muito grande ao país. Esse é o plano de ação. Mas mudança constitucional é uma prerrogativa do Congresso. Numa conversa com agentes de mercado, me sugeriram estabelecer uma linha e a partir daí não ceder mais. Respondi para eles: “suponha que não existisse uma democracia. Imagino que muitos nesta sala estariam nas ruas pedindo a volta da democracia”.
O senhor é o fiador da política econômica, mas houve recuos do governo no campo fiscal por motivação política, como a aprovação dos reajustes para inúmeras categorias de funcionários públicos na Câmara. Isso incomoda, não vai contra o ajuste?
Não. Minha visão não é política, é econômica. Estou pouco preocupado com algo que politicamente pareça isso ou aquilo. O importante é que a PEC que limita os gastos está sendo defendida pelo governo, pelos ministros da área política e pelos líderes da base. Aumentos dos servidores, desde que sejam consistentes com o teto para os gastos, estão enquadrados na política de ajuste fiscal. Nosso pressuposto não é que não haja aumento nenhum de gastos. É que haja aumentos apenas com base na inflação.
Mas se há reajuste para o funcionalismo, isso significa que faltará recursos para outras áreas, não?
Exatamente. Gastar dinheiro sempre tem aspectos positivos. Por outro lado, isso tem que ser financiado pela sociedade. É preciso encontrar um limite.
O senhor diz não ver necessidade de aumentar impostos agora, mas pode ser preciso no futuro. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, diz que o governo não vai aumentar imposto de jeito nenhum. Quem está certo?
As declarações de ministros dizendo que não haverá aumento de impostos estão consistentes com a minha indicação de que, nesse momento, não se configura a necessidade de aumento.
Quem fala pela área econômica é o senhor, correto?
O ministro Padilha é muito qualificado, muito inteligente e sabe o que está fazendo. Ele está fazendo uma declaração enfática na sua posição de que não vai haver aumentos de impostos. Agora, eu sou um ministro da área econômica, tratando com agentes econômicos e estou colocando a coisa no prazo longo. Eu sinalizo aos mercados tranquilidade, isto é, mostro que não há um problema ideológico contra aumentos de impostos.
O governo pode rever desonerações feitas nos últimos anos para reforçar as receitas?
Certamente. Nós iniciaremos, depois de aprovado o Orçamento, no devido tempo, uma revisão cuidadosa de todos os incentivos fiscais concedidos no país. Não só de desonerações setoriais, mas de toda a estrutura tributária.
Como o senhor classifica a situação em que se encontrava a economia quando assumiu o ministério?
Sendo um ministro da Fazenda e da área econômica, eu prefiro não usar adjetivos. Acho que os números falam por si só. E até usei outro dia uma frase usada por um escritor brasileiro (Nelson Rodrigues) que diz que nada é mais brutal do que um fato. Um déficit fiscal de R$ 170 bilhões (meta de 2016) fala por si só. Não precisamos usar adjetivos para mostrar que isso é insustentável.
Partidos da base, especialmente o PSDB, têm manifestado desconforto com a postura do Planalto em relação a algumas medidas, como o reajuste do Judiciário. Alguns atribuem isso a um temor da possibilidade de o senhor ser candidato a presidente em 2018. Como o senhor vê isso?
Em primeiro lugar, eu não comento boatos, rumores e percepções subjetivas. Outra coisa que eu já concluí é que é uma perda de tempo tentar avaliar quais são as intenções das pessoas em fazer algo. O importante são os fatos. O debate político no Congresso em torno de qualquer projeto de aumento de salários ou de outra ordem é democrático, legítimo e positivo. Seria estranho todos os partidos concordarem em tudo. Partidos discordarem e terem opiniões diferentes e, eventualmente, projetos políticos diferentes para as próximas eleições é natural.
Chegou a hora de a política ajudar a economia?
Sim. E nós temos uma concordância absoluta dentro do governo. Há uma visão unânime hoje de que o fundamental para o país é a recuperação da economia, que passa pelo ajuste fiscal. O futuro do país está diretamente ligado ao ajuste fiscal. Não existe país no mundo que tenha crescido sem controlar a evolução das finanças públicas.
O senhor acredita que os investidores internacionais já estão retomando a confiança no Brasil?
Estamos agendando a nossa ida ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e ao Banco Mundial em outubro e existe um nível enorme de interesse de investidores para ouvir o Brasil. Está até difícil montar essa agenda.
O governo vai conseguir fazer a economia brasileira, para citar uma ilustração, voltar a ser vista como pela revista inglesa “The Economist” que usou em uma de suas capas a imagem do Cristo Redentor decolando?
Aquela capa, publicada em 2009, tinha uma essência econômica. Foi um período em que até nos eventos internacionais aos quais fui como presidente do Banco Central, fui congratulado. Fui aplaudido de pé quando entrei numa reunião de banqueiros centrais. Em 2013, a capa foi o Cristo dando um loop e mergulhando, ali também tinha um fundamento econômico. Previram uma recessão que veio. No momento em que a retomada da economia acontecer, então, claramente estaremos numa estratégia de recuperação e quem sabe teremos aí capas com o Cristo decolando de novo.
O que o senhor espera ver como missão cumprida quando chegar ao final do governo Temer em 2018?
Um ajuste fiscal, com aprovação da PEC do teto, encaminhamento e aprovação da reforma da Previdência e posteriormente o início de um processo de produtividade da economia, que vai passar por diversas reformas. O conteúdo dessas reformas envolve um projeto de longo prazo. Não é algo que se extinga em 2018. Processo vai demandar mais de um governo. Mas eu acho importante que o ajuste fiscal esteja concluído porque esta é a causa da crise. Isso faz com que as causas macroeconômicas estejam resolvidas. A partir daí o objetivo é como crescer mais, acima do potencial de 2%.
Qual a sua expectativa para o resultado do PIB do segundo trimestre de 2016?
Acho que ele vai mostrar uma retomada da economia. Estamos vivendo o final de uma queda e o início de um processo de recuperação. Independentemente do resultado dos três meses de abril, maio e junho. A média, se isso vai mostrar algum declínio, é menos importante. O importante é o resultado na margem e qual a tendência daqui para frente.
Fonte: “O Globo”, 29 de agosto de 2016.
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