Há ainda na sociedade uma manifesta aversão às reformas que visam à redução das despesas públicas, notadamente à reforma da Previdência
A imprensa divulgou recentemente uma notícia bastante preocupante. Segundo o “Estadão” (04/07), “há risco não desprezível de crescimento contínuo da dívida pública bruta até o nível de 124,5% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2030”. De acordo com os analistas, “o afastamento dessa ameaça dependerá de profundas alterações na dinâmica dos gastos públicos e da retomada do crescimento econômico.”
Em números redondos, o Estado tupiniquim arrecada 35% do PIB em impostos e gasta perto de 43% do PIB, gerando um déficit nominal de 8% do PIB (2016), o qual é coberto com emissão de títulos (dívida). Em outras palavras, 43% de tudo que é produzido no país acabam sendo gastos pelos governos, em suas três esferas.
Tais números são insustentáveis a longo prazo, principalmente para um país em desenvolvimento, cujos juros pagos pelos governos são estratosféricos. Apesar dessas evidências e obviedades, há ainda na sociedade uma manifesta aversão às reformas que visam à redução das despesas públicas, notadamente à reforma da Previdência, a qual mexe com interesses corporativos poderosos.
Mas nem sempre foi assim. Até meados do século passado, a gastança desenfreada dos governos não era tão bem vista pelos eleitores, que, na esteira dos economistas clássicos, preferiam governos prudentes a parcimoniosos. Foi John Mainard Keynes, um homem de grande intelecto e ideias extravagantes, quem deu aos políticos e burocratas a argumentação teórica para gastar à vontade, ao levantar a tese segundo a qual o segredo da prosperidade, o remédio contra recessões, é o incentivo à demanda agregada, via gasto público. Keynes chegou ao extremo de propor, em seu mais famoso livro, que, em tempos de recessão, o governo deveria pagar a trabalhadores para construir pirâmides ou abrir buracos num dia e fechá-los no dia seguinte.
Como bem resumiu o economista liberal Donald Boudreaux, ao falar do espírito gastador dos nossos tempos, se amanhã não importa — porque, afinal, estaremos todos mortos, como disse Keynes —, apenas uns poucos malvados, indiferentes ao sofrimento humano, recusarão as políticas que trazem algum alívio hoje, à custa de amanhã. Apenas seres sem coração sugerirão que os problemas econômicos podem ter causas diferentes e exigem tempo para serem resolvidos de forma adequada e sustentável. Apenas os sádicos serão contra os planos para aliviar a dor de hoje, sob a alegação de que eles vão piorar as coisas amanhã.
Hoje, aqui e agora. Esse é o único foco dos utilitaristas de visão curta, que, infelizmente, tomaram conta do mundo desde que Keynes lhes deu as justificativas teóricas (e retóricas) para transferir para as próximas gerações os sacrifícios que deveriam ser feitos agora.
O problema é que o longo prazo eventualmente chega, e a redução dos gastos públicos de Pindorama tornou-se uma necessidade urgente, que terá de ser enfrentada, gostemos disso ou não. Mas não adianta resolver o problema presente e, daqui a pouco, tudo voltar a ser como era antes. Só há uma forma de a sociedade defender-se do mal provocado pela gastança desenfreada de governos populistas e corruptos. A introdução de uma norma constitucional que estabeleça, de forma taxativa e incontroversa, ainda que introduzida de maneira paulatina, que os governos, em suas três esferas, não podem gastar mais do que arrecadam (em termos nominais — esqueçam essa jabuticaba de superávit primário), sob pena de imediato impeachment. Nossas crianças agradecem.
Fonte: “O Globo”, 17/07/2017
No Comment! Be the first one.