Há um ano nas ruas, manifestantes se queixam dos gastos públicos com os estádios da Copa do Mundo. Ao mesmo tempo, pedem mais dinheiro para estender a hospitais, transportes e escolas o “padrão Fifa”. Na pré-campanha eleitoral, presidenciáveis prometem cortar ministérios e combater a corrupção para estancar a sangria de recursos do governo, mas juram fidelidade à manutenção e ampliação de benefícios sociais que custam cada vez mais ao Tesouro. O discurso de austeridade tem apelo, mas o que move mesmo os brasileiros é a demanda por mais gastos do setor público. Acontece que o governo já gasta demais. E muito mal. É o que constata o economista Fabio Giambiagi, especialista em finanças públicas com passagens pelos departamentos econômicos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em entrevista ao GLOBO, ele diz que a sociedade está insatisfeita com impostos cada vez mais altos sem a contrapartida de serviços públicos satisfatórios, mas não se envolve na discussão do que deve ser prioridade no orçamento, um tema central na cena política de democracias desenvolvidas.
Há crítica recorrente de que o governo arrecada e gasta muito. No entanto, as propostas dos candidatos em geral embutem mais gastos. É uma contradição?
Sem dúvida. Há um problema muito conhecido na teoria das finanças públicas: a combinação de benefícios concentrados e custos difusos. Em geral, os grupos de pressão se articulam para tentar aprovar aquilo que interessa a algumas categorias e os políticos são sensíveis a essas pressões. Depois, na hora da conta, não há a mesma articulação contrária. O lobby para aumentar uma despesa ou outra é sempre muito forte, mas não há uma reação equivalente contra o aumento da carga tributária.
Por que propostas que apontem para a redução de gastos, mesmo acompanhadas de maior eficiência, são evitadas pelos candidatos?
Na minha opinião, há um erro duplo. O primeiro, de certa forma, é da imprensa. Há um certo abuso, equivocado, das palavras “corte” e “redução” de gastos, coisa que a rigor não está em pauta. O que se trata, na prática, é de controlar a evolução do gasto, para que esse cresça a uma velocidade menor. O segundo é dos governos e da liderança política em geral, que ao longo dos anos têm revelado uma enorme incapacidade de expor essas questões de uma forma menos emocional e mais didática.
É diferente em outros países?
Claro. O Brasil fez enormes avanços institucionais no campo das finanças públicas nos últimos 30 anos, desde o caos que vigorava nos anos 80. Mas, em matéria de qualidade do debate sobre o orçamento, vivemos na era das cavernas. Nosso debate orçamentário é indigente, dá vergonha. Gosto muito do exemplo inglês. Lá, o ministro encarregado das finanças vai ao Parlamento e se submete a um rigoroso escrutínio ao expor as razões e os números da proposta orçamentária do governo. É um debate que dá gosto de assistir, sente-se a democracia pulsando. O que temos no Brasil, comparativamente, é um circo. Um processo pouco sério, com falhas tanto do Executivo como do Legislativo.
O senhor é um estudioso da Previdência social no Brasil. O que ela diz sobre como decidimos nossos gastos?
É uma tristeza. Frequentemente, nota-se uma total falta de seriedade no tratamento das principais questões. A despesa do INSS era 2,5% do PIB em 1988, quando foi sancionada a Constituição. Hoje é 7,5% do PIB. E estamos numa situação em que o contingente de idosos se encaminha para um crescimento de 4% ao ano. A economia mal consegue crescer 2%. Qualquer pessoa minimamente preocupada com o futuro que legaremos aos nossos filhos deveria pensar em equacionar o problema. Entretanto, o que mais se vê são iniciativas que agravam, como projetos que aumentam pensões, diminuem contribuições ou permitem aposentadorias mais cedo. É um caso de esquizofrenia nacional.
Como vê uma medida como a aprovação recente no Congresso de aplicar 10% do PIB em Educação por ano?
É um exemplo de como algumas coisas tremendamente importantes no Brasil são decididas de forma totalmente emocional, com zero de racionalidade, em clima carnavalesco e com componente macunaímicos. É evidente que Educação é importante. Porém, há duas coisas a considerar. Primeiro, nenhum país no mundo gasta 10% do PIB com Educação. Quem mais gasta tem uma despesa de um pouco menos de 8% do PIB com Educação. Em geral, são sociedades muito prósperas, com renda per capita muito elevada e carga tributária altíssima. Segundo, entre 2010 e 2050 a projeção do IBGE é que a população de 5 a 19 anos cairá 34%. Se assumirmos que o PIB aumente 2,5% ao ano durante 40 anos, mesmo se a relação entre gastos com Educação e o PIB se mantivesse estável, o gasto por aluno aumentaria quase 3,6% ao ano. Ou mais precisamente nada menos que 310% nesse período. É muito dinheiro! É inacreditável que ninguém tenha feito essa conta. Nos próximos 40 anos, teremos uma pressão enorme de gastos com Saúde e Previdência. Se, além disso, a despesa com Educação crescer desse jeito, vamos rumo a um Brasil com 50% do PIB de carga tributária? É esse o país que queremos?
Fonte: Extra, 21/06/2014.
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