“(…) Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta
De bom senso
Nosso descaso por educação”.
(Legião Urbana, Perfeição)
Existem ao menos três erros históricos que a sociedade brasileira cometeu ao longo dos séculos: uma abolição tardia e mal feita de escravos, uma industrialização concentrada e o pouco investimento em educação básica. Ao ser convidado pelo Instituto Millenium para escrever no Dia Internacional da Juventude, eu não poderia escolher outro tema que não fosse a educação de nossas crianças e jovens. Por dois motivos: um social, outro econômico.
A educação de crianças e jovens é crucial para construir uma sociedade menos desigual. Ela, muito mais do que outras políticas públicas, consegue minimizar as diferenças entre pobres e ricos, tornando as condições iniciais de cada indivíduo em uma economia de mercado menos assimétricas. Sem, portanto, um sistema público de educação básica de qualidade, desigualdades sociais e de renda são inevitáveis.
Por outro lado, pessoas melhor educadas tendem a ser mais produtivas no trabalho. Um aumento generalizado de produtividade faz a economia crescer, tendo como conseqüência elevação de renda e, portanto, bem-estar. Não é por outro motivo, leitor, que não há um só país desenvolvido que não tenha investido seriamente em educação.
Não apenas os desenvolvidos. A Argentina e o Chile, por exemplo, iniciaram a construção de um sistema público de educação básica ainda no século XIX. Nós, pelo contrário, insistíamos em uma economia escravocrata, iletrada e, portanto, de baixa produtividade. Só fomos pensar em educação na segunda metade do século passado e tendo como prioridade o ensino superior.
Nosso país, quando resolveu investir em educação, preferiu formar bacharéis a alfabetizar crianças e jovens. Construímos um sistema público de ensino superior caro e para poucos ao invés de universalizar a educação básica. Paralelo a isso, investimos em uma industrialização forjada à substituição de cadeias produtivas inteiras, enquanto países como Japão e Coréia do Sul aumentaram exportações e alfabetizaram crianças.
Ontem [e infelizmente também hoje], como bem nos lembra o economista Mario Henrique Simonsen, nossas escolas estão repletas de ideologias. Nossos professores e pedagogos querem formar “cidadãos conscientes”, mas não conseguem fazer com que nossas crianças e jovens aprendam a ler, escrever e fazer as quatro operações. O nosso analfabetismo funcional é alarmante e não por outro motivo estamos entre os últimos nos principais exames internacionais.
Como pode, pergunta o leitor, uma das dez maiores economias do mundo freqüentar tão ingrata posição em termos de educação? A resposta é simples, mas difícil de ser ouvida por políticos, sindicatos e demais envolvidos na gestão do ensino público. O Brasil demorou a investir em educação e quando o fez foi de modo errado. Gasta quase seis vezes mais com um sistema de ensino superior público [gratuito e para uma minoria rica] do que com a educação de crianças e jovens. Não é por outro motivo, leitor, que nossa renda per-capita ainda é considerada média e nossa desigualdade elevada.
Para não dizer que não falei das flores, parece que despertamos para o problema nas últimas duas décadas. Com mais de um século de atraso, praticamente universalizamos a educação básica. Criamos fundos específicos de financiamento para auxiliar os municípios nessa tarefa vital. Construímos um arcabouço institucional de avaliação bastante completo e ilustrativo de nossa miséria nessa área. Avançamos, mas ainda não atacamos os problemas principais.
O caminho para o Brasil é longo e tortuoso nesse campo porque simplesmente não conseguimos enxergar a raiz do problema. Não basta elevar para 10% do PIB o gasto com educação, se ele for mal feito. Mais dinheiro não implica necessariamente em mais qualidade. É preciso formar melhor nossos professores e investir na qualificação de gestores escolares. Não basta aumentar salários de forma isonômica: é preciso gerar incentivos para que os professores se formem e ensinem melhor.
Isso, ao contrário do que pensa o Establishment, não é feito apenas com mais dinheiro. É preciso melhorar nossas licenciaturas, imersas em um abismo ideológico sem precedentes internacionais. É preciso parar de tentar formar esse anacronismo chamado “cidadão consciente” e começar a alfabetizar [de fato] nossas crianças. Enquanto isso não for feito, continuaremos gastando o dinheiro do contribuinte em avaliações que só provam o óbvio: a desgraça de nosso sistema de ensino.
Por fim, e já que se trata do Dia Internacional da Juventude, perguntemos aos jovens por que a defasagem idade-série e a evasão escolar continuam elevadas? Por que, apesar de termos praticamente universalizado a matrícula no ensino fundamental, não o fizemos no médio? Por que continuamos mantendo um sistema de ensino superior gratuito apenas para os mais ricos? Os jovens, sempre tratados de forma passiva quando o assunto é reforma educacional, têm muito a contribuir nesse debate. Ao invés de submetê-los a currículos ultrapassados, deveríamos ouvi-los. As respostas talvez surpreendam os envolvidos com educação em nosso país.
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