“Um dos mais belos livros da língua alemã, a obra mais singular jamais escrita por um filósofo”, registra Paulo César de Souza, em sua tradução de “Ecce Homo”, autobiografia de Friedrich Nietzsche que é simultaneamente interpretação e síntese de sua obra.
Nos capítulos do pequeno livro não há perguntas ou pontos de interrogação, mas somente arrogantes explicações sempre afirmativas. “Por que sou tão sábio. Por que sou tão inteligente. Por que escrevo tão bons livros. Por que sou o caminho.” Seus pretensiosos títulos mais parecem as autoavaliações dos governos das diversas tribos da social-democracia brasileira ao longo dos últimos 25 anos.
Como escolher entre tão formidáveis opções? Quem teria sido nossa mais brilhante liderança política em mais de duas décadas de hegemonia social-democrata? O escritor de “Marimbondos de fogo” que, em resposta à síndrome de ilegitimidade que assombrou seu mandato, acabou patrocinando o plano econômico de maior popularidade de todos os tempos? Afinal, apesar de o desastrado experimento ter desembocado em hiperinflação e moratória externa, o ex-presidente ainda hoje empresta-nos generosamente seu espírito público presidindo o Senado.
Teria sido o rei-sol da sociologia nativa, que preteriu as reformas contra o atraso do Antigo Regime em benefício de um segundo mandato, com o brilho de um saber da Sorbonne e a astúcia de um príncipe florentino? Esperávamos tanto dele… Como imaginar que o feitiço poderia virar contra o feiticeiro, e que o oportunismo da emenda constitucional para aprovar sua reeleição desembocaria em uma perspectiva de vácuo de poder para seu próprio partido por tão longa sequência de mandatos presidenciais?
Ou teria sido um brasileirinho de Garanhuns que tanto realizou, apesar de cercado de tão poucos recursos humanos de qualidade? Dizem que nunca antes na história política deste país alguém chegou tão longe partindo de tão pouco. Ou aprendeu tão rápido. Seria o fenômeno Lula explicável exatamente pelo contraste cada vez maior entre a sua imagem de um “homem do povo” responsável pelo bom desempenho econômico e a imagem de uma classe política que se perdeu em uma infindável sequência de escândalos de corrupção?
O julgamento da História seria mais generoso com nossos heróis se trabalhassem juntos por reformas que nos deixassem como legado um modo mais decente de se fazer política.
Fonte: O Globo, 27/12/2010
Talvez a pobreza do artigo espelhe a pobreza dos heróis decantados. Perdi meu tempo lendo.