Todos os anos a cidade de Davos na Suíça reúne a nata do mundo da economia e das finanças, empresários de destaque, banqueiros, gestores públicos, presidentes de bancos centrais, acadêmicos do mundo inteiro, etc. É um fórum de debates (e a este dá-se o nome de Fórum Mundial), uma espécie de think tank (espaço para debates e reflexões sobre temas variados) em que os principais assuntos econômicos e correlatos da atualidade são tratados.
[su_quote]Para o FMI, no entanto, o Brasil ainda se encontra numa situação de fragilidade[/su_quote]
Neste ano não foi diferente. Vários temas foram abordados, como o dos Bancos Centrais em rota de divergência, como explicar a queda da cotação do barril de petróleo nos últimos meses, o fantasma da deflação no mundo desenvolvido, problemas geopolíticos, etc. Tivemos também a ida do ministro da Fazenda brasileiro Joaquim Levy, um bom “sopro de esperança” pelo discurso claro e objetivo e a promessa de “arrumar a casa”. Disse ele que o ajuste fiscal em curso não cabe “remendos”, que teremos um trimestre em retração, mas que no longo prazo as perspectivas são positivas. Segundo Levy, os ajustes são para valer e essenciais para a recuperação da confiança dos agentes econômicos e a retomada da economia. Neste ano, o crescimento deve ser flat, ou seja, próximo a zero, mas nos próximos a retomada será inevitável desde que a premissa do ajuste fiscal rigoroso seja bem-sucedida.
Para o FMI, no entanto, o Brasil ainda se encontra numa situação de fragilidade, entre os mais preocupantes da América Latina, junto com Argentina e Venezuela, todos com perspectivas de fraco crescimento para este ano.
Fazendo um balanço parcial do evento, a comunidade de Davos resolveu assumir um “otimismo cauteloso” para a economia global, puxado pelos EUA e suas acertadas políticas, mas não descartando alguns “riscos globais no horizonte”, como os citados acima. Os principais bancos centrais do mundo seguem em rotas divergentes. O Fed aponta para uma contração monetária ao fim deste ano e o BCE e o BoJ vislumbram reforçar políticas agressivas de expansão do crédito. Outro fator preocupante é a trajetória do barril de petróleo, recuando de US$ 100 para US$ 50 nos últimos meses, acompanhado por outras commodities, também em queda. A justificar isto a China, sinalizando uma “suave desaceleração” da economia, devido às mudanças do seu modelo econômico.
Façamos então uma análise resumida sobre os principais atores da cena mundial, EUA, Zona do Euro, China e os países emergentes, com destaque para os da América Latina.
Estados Unidos
Atualmente, junto com a China, é o principal “motor da economia mundial”. As boas políticas fiscais anticíclicas adotadas pelo governo Barack Obama, depois da crise de 2008/09, comprando participação em empresas “quebradas” e vendendo-a quando estas se recuperavam, além de alternativas políticas monetárias, com o Quantitative Easing, somados aos ganhos crescentes de produtividade, inovações tecnológicas, flexibilidade dos mercados de bens e de trabalho, baixa carga fiscal, influência do gás de xisto (shale gas) e forte recuperação da demanda dos consumidores, ajudam a explicar a recuperação da economia norte-americana.
Um “ponto fora da curva”, que também afeta outros países, talvez seja o risco de deflação, gerado em especial pelo recuo das commodities, resultando numa inflação abaixo da meta do Fed de 2,0% anuais. Isto deve corroborar para jogar a decisão de elevar o juro de curto prazo para o final deste ano ou o início do próximo. Como resultado teremos uma “folga monetária” no mundo, com aumento da liquidez global, alterando a mobilidade de recursos e a taxa de câmbio das várias moedas nos próximos meses. Num primeiro momento, o euro já se deprecia e o dólar se valoriza, assim como a moedas de alguns emergentes. Sobre as estimativas de crescimento dos EUA, depois de crescer algo em torno de 2,5% em 2014 (cresceu 5% no último trimestre), caminha célere para crescer mais de 3% em 2015.
Zona do Euro
Foi destaque na semana passada depois que o BCE anunciou o seu Quantitative Easing para os próximos meses (março deste ano a setembro de 2016) a partir da compra de ativos dos países membros em troca de liquidez (60 bilhões de euros mensais e 1,14 trilhão de euros no total). Caso a economia da região não reaja a contento, este programa deve ser prorrogado, repetindo os EUA, que depois do primeiro QE adotou mais dois dentro da estratégia do open ended (potencialmente infinito). Depois de reduzir o juro próximo a zero e adotar várias medidas de estímulo, o BCE tenta agora sua última cartada para fazer a economia da região voltar a crescer, afastando o risco de deflação. Esta é perniciosa, pois as famílias acabam adiando suas compras na expectativa de que a inflação caia ainda mais, o que impacta no consumo, na produção e no nível de emprego. Teríamos então um ciclo recessivo. Para este ano, a região deve crescer pouco, cerca de 1%, podendo ser mais em 2016 e 2017 caso os estímulos sejam bem-sucedidos. A inflação, que fechou negativa em 2014 (-0,2%), pode reaparecer, desde que as pessoas, ainda endividadas e com receio do desemprego, voltem a consumir.
China
A burocracia chinesa, no seu planejamento rígido, trabalha com um crescimento menor neste ano, em torno de 7,1%, depois de 7,4% em 2014. A explicar este soft landing, um processo gradual de mudança de modelo, agora mais baseado nas exportações de alto valor agregado, mais investimentos em P&D, urbanização no interior do país, ascensão de uma classe média demandadora por melhores serviços e as dores deste modelo, riscos para o sistema financeiro e de inflação no horizonte. Além disto, não podemos descartar tensões sociais e políticas, diante das demandas dos cidadãos. Dito tudo isto, temos um país em transformação, reduzindo suas exportações, pelo menor crescimento dos seus parceiros comerciais, e por isto mais “voltado para dentro”, visando resolver seus problemas sociais, crescendo menos, afetando na trajetória de algumas commodities, como minério de ferro, soja, milho e petróleo ( também afetados por outros fatores).
América Latina
O diagnóstico do FMI sobre as perspectivas dos países da América Latina divide a região em dois blocos, os populistas e os pragmáticos. Dentre os primeiros destacamos a Venezuela, a Argentina e o Brasil, embora este em transição devido às últimas medidas de ajuste adotadas. Poderíamos também incluir neste grupo o Equador e a Bolívia. No outro grupo, Chile, Peru, Colômbia e México, como exemplos a serem seguidos, por adotarem políticas econômicas acertadas e atraentes aos investidores.
No primeiro bloco de países, Argentina e Venezuela, com eleições importantes neste ano (ameaçando o kirchnerismo e o chavismo) devem registrar taxas negativas de crescimento em 2015. O PIB da Argentina deve recuar 1,3% neste ano, depois de recuar 0,4% em 2014, e da Venezuela, “mergulhar” 7% neste ano, depois de recuar 4% em 2014.
No segundo bloco, países que arrumaram suas economias, fizeram ajustes nas suas contas públicas e devem continuar a colher seus frutos com bons indicadores. O Chile, mesmo dependente das exportações de commodities minerais, cresceu 1,7% em 2014 e deve crescer 2,8% neste ano; o Peru, na mesma situação, cresceu 2,5% e deve crescer 4,0%, respectivamente; a Colômbia, mais de 4% nestes dois anos, e o México, pela sua proximidade com os EUA e por ter adotado reformas importantes, na mesma toada. De um lado, instituições fragilizadas, muito populismo e corrupção; do outro, pragmatismo e uma visão clara do que deve ser feito, mesmo com algum custo no curto prazo.
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