Diz o velho ditado que “a mentira tem pernas curtas”, mas nesses tempos de internet parece que a situação se inverteu, pelo menos no mundo digital. Estudo publicado nesta quinta-feira na prestigiada revista “Science” mostra que rumores falsos “viajam” mais rápido e mais “longe”, com mais compartilhamentos e alcançando um maior número de pessoas, na rede social Twitter do que informações verdadeiras.
Para o estudo, os pesquisadores Soroush Vosoughi, Deb Roy e Sinan Aral, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), primeiro compilaram todos rumores – falsos, verdadeiros ou “mistos” – verificados por seis conhecidas organizações de checagem de fatos dos EUA e divulgados no Twitter entre 2006, ano da sua “estreia” na internet, e 2017. Daí, eles construíram aproximadamente 126 mil “cascatas” de compartilhamento desses rumores na rede social, num total de mais de 4,5 milhões de postagens feitas por cerca de 3 milhões de pessoas.
Ao analisarem e compararem os padrões de compartilhamento destas dezenas de milhares de “cascatas”, os pesquisadores observaram que os rumores classificados como “falsos” pelas organizações de checagem se espalharam mais longe, rápido, “profundamente” – isto é, foram replicados por um novo usuário único, aumentando o número de “degraus” da cascata – e com maior abrangência do que os considerados verdadeiros.
A tendência também se manteve independente do tema geral que os rumores abordassem, mas foi mais forte quando versavam sobre política do que os demais, na ordem de frequência: lendas urbanas; negócios; terrorismo e guerras; ciência e tecnologia; entretenimento; e desastres naturais. Assim, não surpreendeu o estudo ter verificado que alguns dos maiores “picos” na divulgação de informações falsas se deram justamente na época das eleições presidenciais americanas, primeiro em 2012 e depois, com muito mais força, em 2016, quando Donald Trump foi alçado à Presidência do país.
Por outro lado, o levantamento também trouxe algumas surpresas. A maior delas foi que, ao contrário do que se imagina, a “culpa” por essa maior divulgação de rumores falsos não é dos chamados “robôs”, perfis também falsos na rede social controlados por terceiros que replicam conteúdos em troca de dinheiro, por razões políticas ou outras. Isso porque, mesmo filtrando os resultados por idade, nível de atividade na rede social, número de seguidores e pessoas que seguem e se o usuário era “verificado” como real, os cientistas calcularam que as informações falsas ainda assim tinham uma chance 70% maior de serem compartilhadas do que as verdadeiras.
Assim, outra surpresa do estudo veio do perfil de quem mais compartilha rumores falsos. Imaginava-se que os responsáveis por isso seriam pessoas que seguissem mais outras, e, por sua vez, tivessem mais seguidores, e usassem a rede com mais frequência e há mais tempo. Mas a análise mostrou justamente o contrário, com os usuários com poucos seguidores e que seguiam poucos outros e que eram relativamente mais “novatos” no Twitter respondendo por um número significativamente maior dos compartilhamentos.
– Em termos de metodologia o estudo está muito bem montado, mas é importante destacar que ele está focado no Twitter, que tem parâmetros de utilização e público diferentes de outras redes sociais, como o Facebook – comentou ao “Globo” Nic Dias, pesquisador do Centro Shorenstein de Mídia, Política e Políticas Públicas da Escola Kennedy da Universidade de Harvard. – Ainda assim, não esperaria que os resultados fossem muito diferentes se a pesquisa fosse feita no Facebook, já que este é um problema que tem chamado a atenção de diversas organizações nos EUA.
Segundo Dias, o levantamento ganha ainda mais importância pelo fato do que chama de “dieta de informações” dos americanos, isto é, as maneiras e os lugares onde vão buscar por notícias, ser bem diferente da vista em outros países como a Austrália ou da Europa, que, ainda de acordo com ele, têm “dietas” mais saudáveis neste sentido. Dito isso, no entanto, ele também destaca que os rumores falsos costumam ser mais “interessantes” que as informações verdadeiras por geralmente terem níveis de “novidade” e “inusitado” maiores, o que pode ajudar a explicar porque as mentiras são mais compartilhadas.
– Vivemos inundados por notícias e muitas vezes as pessoas não têm tempo nem condições para verificar se elas são verdadeiras – contemporiza. – Isso não quer dizer que as pessoas são estúpidas. As redes sociais colocam todas informações num mesmo nível, o que torna difícil diferenciar o verdadeiro do falso. Com tudo junto na mesma linha de tempo, temos menos pistas para diferenciar um fonte confiável de uma não confiável.
Outra justificativa para o fenômeno encontrada por Dias está no fato de muitas vezes compartilharmos informações por motivações psicológicas e sociais, num esquema do tipo “nós” e “eles”.
– Compartilhamos uma informação porque ela nos parece ser útil, ou por ecoar o que acreditamos, por atacar um político de quem não gostamos ou por apoiar um que também apoiamos – diz. – Temos muito maior probabilidade de compartilhar algo que acreditamos porque isso ajuda a reforçar nossa visão de mundo, tanto de forma interna quanto externa. Nossa identidade é construída com diferentes fatos e impressões, e uma forma de fazer isso é compartilhando informações. Elas servem para os outros saberem onde estamos e também para nos lembrar onde estamos, reforçando nossa identidade para nós mesmos e para os outros.
Já o brasileiro Fabio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo, onde coordena o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), viu como um dos primeiros grandes “méritos” do estudo o fato dos pesquisadores declaradamente evitarem usar o termo “fake news” (“notícias falsas”, em tradução literal) na classificação dos rumores analisados.
– Isso afastou uma concepção rotulada cada vez mais para uso político, em que a informação é verdadeira ou falsa segundo a opinião de uma pessoa, do que para se referir à real veracidade ou falsidade da informação – lembra.
Malini também destaca o fato de o levantamento ter incluído publicações com imagens, os famosos “memes”, com a utilização de programas de reconhecimento de caracteres para “leitura” de seus textos e inclusão no estudo, o que pode ajudar a aumentar a capacidade das informações falsas atingirem um público maior em menos tempo na comparação com as verdadeiras.
– O processo de compartilhamento tem uma forte carga emocional, e uma imagem muda muito esta dinâmica – considera. – E uma imagem ou meme se presta muito mais para a construção de uma mentira do que para a verdade.
Outra possível explicação de Malini para que os rumores falsos se espalhem mais rápido e mais longe que os verdadeiros no Twitter pode estar relacionado ao fato deles serem mais “fragmentados”, isto é, não têm um “centro difusor” mais definido, pelo menos no caso americano. Já no Brasil, no entanto, estaria acontecendo um fenômeno ligeiramente diferente. Aqui, em especial quando o tema é político, ganham força publicações e compartilhamentos com links para veículos com vieses ideológicos demarcados em ambos lados do espectro.
Por fim, Malini considera que é de certa forma “natural” o achado do estudo de que os rumores falsos políticos se espalham mais do que os de outros temas, já que este tipo de informação costuma ter uma “validade” maior do que as notícias que envolvem atentados terroristas ou desastres naturais, por exemplo.
Fonte: “O Globo”