Revolução Francesa extinguiu os privilégios da nobreza, mas a República não consegue extinguir os da plebe. Não deixa de ser paradoxal o fato de o paternalismo estatal permanecer como política pública mais de duzentos anos após a derrubada do regime absolutista francês. Quem passeia pelos esplendorosos e pacíficos campos franceses não imagina o arcabouço jurídico-financeiro necessário para manter intacta uma ilusão rural insustentável no longo prazo. As últimas rodadas de negociação da Organização Mundial do Comércio (OMC) têm-se caracterizado pela posição pouco flexível da União Européia ante os apelos de outros países, principalmente os em desenvolvimento, pela redução do protecionismo no setor agrícola. Os países ricos, EUA inclusive, gastam um bilhão de dólares diários para subsidiar um punhado de produtores, ajudando a deprimir o preço dos commodities e a manter pobres os países em desenvolvimento. Já a sobretaxação das exportações obriga estes países a desembolsarem, anualmente, cem bilhões de dólares para poder participar do comércio internacional. A Política Agrícola Comum (PAC) é o mais antigo acordo no âmbito de integração regional europeu. Suas funções seriam múltiplas, como evitar o inchamento das cidades por meio da manutenção da população rural no campo, garantir a segurança alimentar e o modo de vida tradicional dos fazendeiros europeus, que tanto encanta os turistas que visitam anualmente o velho continente. Atualmente, o país que mais luta para a manutenção dessa política é a França. A PAC prevê todo o tipo de barreiras que contribuam para que os produtos agrícolas produzidos no exterior cheguem caros, ou nem cheguem, aos consumidores europeus. Para manter os produtores vivendo nos campos franceses, a União Européia chega a (pasmem!) premiar com dinheiro os que produzem menos, além de comprar o excedente dos que produzem mais. Afinal, o excesso de produção baratearia tanto os produtos agrícolas locais que acarretaria a diminuição da renda dos produtores, levando muitos a falirem ou a abandonarem o campo. É importante lembrar, também, que as famosas vaquinhas européias recebem subsídio per capita de sessenta dólares mensais. Será que é o medo de eventual migração bovina para as cidades? Se o protecionismo europeu desfavorece os países em desenvolvimento, também prejudica os consumidores que vivem nas cidades grandes e já não suportam mais pagar caro por produtos de menor qualidade. Além do mais, o membro que mais contribui para o orçamento europeu é a Alemanha, que não usufrui nada da PAC. O país é essencialmente industrializado e o principal responsável pelo aumento da intolerância interna com o protecionismo que beneficia tanto as vacas e os agricultores franceses. Analistas afirmam que, desde que foi criada, a política agrícola já consumiu metade do orçamento europeu. A plácida imagem dos campos europeus conflita com as conturbadas imagens veiculadas sobre Paris nos últimos dias, nas quais milhares de jovens desempregados aparecem protestando pela manutenção de leis que, na verdade, contribuem para o alto nível de desemprego entre a juventude francesa. Se o desemprego francês não afeta o resto do mundo, o conto de fadas rural que tanto incomoda os países em desenvolvimento já tem, pelo menos, data para começar a ser desmontado. Na última conferência da OMC, ocorrida em Hong Kong em dezembro de 2005, a União Européia aceitou acabar com os subsídios à exportação até 2013, apesar da resistência francesa. Os elevados custos da corte de Luis XVI e a falência do Estado francês, em fins do século XVIII, desencadearam uma revolução sem precedentes na história. Se vivo fosse, o monarca decapitado, provavelmente, estaria se perguntando se valeu a pena tanto derramamento de sangue para substituir os privilégios de uns poucos nobres pelos de tanta gente. Até quando a França agüenta?
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