A crise com a Polícia Federal, provocada pela tentativa do presidente Jair Bolsonaro de intervir na corporação indicando o novo chefe do Rio de Janeiro, proporcionou ao ministro da Justiça Sérgio Moro retomar, ainda que em parte, o protagonismo que havia perdido na crise das conversas hackeadas, e também no “quem manda sou eu”, rompante do presidente em relação à PF.
Moro e o diretor-geral da Polícia Federal, Mauricio Valeixo mostraram a Bolsonaro que a atitude provocou uma verdadeira comoção na instituição, sendo possível um pedido coletivo de demissão dos chefes operacionais. Bolsonaro voltou atrás, e Moro ganhou a confiança da Polícia Federal.
Entra agora na negociação dos vetos à nova lei de abuso de autoridade com mais poder de convencimento, pois muitos dos que pede são em defesa dos policiais e agentes de segurança pública, os mais atingidos pelas novas normas. Moro terá também um teste decisivo, pois a lei de abuso de autoridade interfere diretamente no combate à corrupção, bandeira que o identifica. Já Bolsonaro está entre manter seu apoio a Moro, e consequentemente, ao combate à corrupção, ou desagradar parte do Congresso.
Para o Ministério da Justiça, “é possível identificar diversos elementos que podem, mesmo sem intenção, inviabilizar tanto a atividade jurisdicional, do Ministério Público (MP) e da polícia, quanto as investigações que lhe precedem”. Um veto que parece ser consensual é a proibição de algemar presos se não oferecerem resistência.
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Decisão sábia
Moro e os policiais consideram que a decisão deve ser tomada pelos agentes em serviço, de acordo com o que acontecer no momento da prisão. No entanto, lembra o criminalista João Bernardo Kapen, já existe uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal proibindo as algemas.
Sobre o artigo 9º, que prevê detenção de 1 a 4 anos para o magistrado que decretar prisão “em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”, a análise do Ministério da Justiça e Segurança Pública diz o seguinte: “O artigo em questão elimina a discricionariedade do magistrado na exegese normativa. A limitação ao exercício da função jurisdicional é acentuada em razão de o dispositivo não trazer balizas para o que se poderá considerar desconformidade com as hipóteses legais.”
O criminalista João Bernardo Kappen ressalta que essas “hipóteses legais”, longe de serem subjetivas, estão estabelecidas no Código de Processo Penal ou na lei que define as hipóteses cabíveis de prisão temporária.
Para ele, a nova lei não impedirá prisões preventivas, que só podem ser decretadas se estiverem presentes os requisitos legais previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Além do mais, a nova lei reproduz quase que integralmente o que está previsto no artigo 4º da lei atual.
Já é crime de abuso de autoridade, portanto, decretar prisão sem as formalidades legais, e isso não vem impedindo que prisões preventivas – largamente usadas na Operação Lava-Jato – sejam decretadas.
Moro defende o veto ao artigo 26, que classifica como crime “induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei”. Para o ministro, o “dispositivo em questão criminaliza o flagrante preparado”.
O ministro também sugere o veto ao artigo 30, que prevê até quatro anos de prisão para quem abrir uma investigação sem o devido fundamento, ou seja “proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente”. Para Moro, esta regra é desnecessária, “uma vez que é abarcado, em grande parte, pelo crime de denunciação caluniosa já existente no artigo 339 do Código Penal”.
Os procuradores de Curitiba consideram que esse tipo penal é um absurdo na parte em que fala “sem justa causa fundamentada”, o que é um conceito vago e indeterminado. No Brasil sequer se discute a qual nível probatório que a expressão “justa causa” corresponde. João Bernardo Kappen considera que as críticas têm razão de ser, pois o termo “justa causa”, sem a devida explicação, é muito vago.
O ministro ainda considera exagerado o artigo 34, que estabelece detenção de até seis meses para autoridade judicial que “deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento”. Para Moro, a “hipótese cria uma responsabilidade extremamente ampla ao agente público que é impossível de ser cumprida na prática.
Fonte: O Globo, 18/08/2019