A primeira Guerra Mundial, iniciada em outubro de 1914, deu fim a longo período de globalização no mundo, liderada pelo poder de polícia sobre os mares da Inglaterra e por várias mudanças técnicas, como o telégrafo e o navio de metal a vapor. Esses fatores impulsionaram o desenvolvimento de diversas periferias: Sudeste brasileiro, Argentina, Chile, Austrália e Nova Zelândia, além das economias americana e canadense. As periferias exportavam bens primários e importavam bens manufaturados da Europa.
Em seguida à Primeira Guerra, houve seis décadas de fechamento das economias. Em meados dos anos 1970, inicia-se a segunda globalização pós-Revolução Industrial.
Foi somente no final dos anos 1970 e no início dos 1980 que os níveis de comércio e mobilidade de capital ultrapassaram aqueles observados na “belle époque”. A grande diferença da atual globalização em relação a anterior é a existência de comércio de bens em processo: as redes globais de valor permitem que diferentes etapas do processo produtivo de um bem ocorram em diferentes localidades.
Os ganhadores e os perdedores da globalização
A grande globalização produziu inúmeros ganhadores. Os maiores foram os habitantes da Ásia, continente com 1/3 da humanidade, que experimentou fortíssima queda da pobreza. De fato, testemunhamos nas últimas décadas a maior redução de pobreza da história.
Outro grupo de ganhadores foram os ricos dos países do Atlântico norte. A enorme ampliação dos mercados propiciada pela globalização aumentou a escala de diversas empresas e explica em parte, ao menos, os ganhos exorbitantes de presidentes de corporações e do mercado financeiro.
Também há o fenômeno dos grandes ganhadores que levam tudo (“winner takes all”), como é o caso do aumento dos rendimentos de artistas e esportistas de primeira grandeza em razão do aumento do mercado propiciado pela globalização: Neymar ganha muito mais do que ganhou Pelé, pois hoje o mundo para e assiste quando o Barcelona joga.
O grande perdedor da globalização foram os trabalhadores das classes médias dos países desenvolvidos. Não conseguem competir com a produtividade do trabalhador asiático. No setor de serviços desqualificado, sofrem com a competição dos trabalhadores latinos.
Falhas no sistema educacional e estagnação da renda
O sistema educacional americano, que até quatro décadas atrás era uma máquina de equalizar oportunidades, não consegue mais preparar o filho desse trabalhador branco de média escolaridade para competir com os filhos dos ricos por bons empregos no Vale do Silício.
Resultado: a renda mediana, isto é, a renda da família que está no meio da distribuição de renda norte-americana, encontra-se estagnada desde meados dos anos 1970, aproximadamente.
Como notou meu colega João Manuel, que escreve quinzenalmente às sextas-feiras neste espaço, a política não conseguiu produzir um pacote que compensasse os perdedores da grande globalização. A melhor saída seria apostar na qualidade da educação. Não ocorreu.
Certamente trata-se de diagnóstico fácil de fazer e difícil de executar.
De qualquer forma, a conta chegou. Os perdedores silenciosos elegeram presidente bem rumoroso. Talvez uma nova era de fechamento dos mercados esteja começando.
O Brasil escolheu ficar fora da festa da globalização. Talvez não dê mais tempo de entrar.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 13 de novembro de 2016.
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