Vamos trabalhar para que algo parecido possa ocorrer aqui em outubro de 2018
Quando foi perguntado ao primeiro-ministro chinês e companheiro de Mao qual o significado da Revolução Francesa de 1789, Chu En- lai respondeu que era ainda muito cedo para avaliar. Como serão avaliados os resultados da eleição presidencial de maio passado, que marginalizou os partidos políticos tradicionais de direita e de esquerda e elegeu um político de 39 anos, Emmanuel Macron, à frente não de um partido, mas de um movimento, o República em Marcha, criado em 2016? Como será avaliado o resultado do segundo turno das eleições parlamentares de 18 de junho último?
Os resultados das eleições para presidente e para a Assembleia Nacional apontam para uma verdadeira revolução pelo voto, que, se bem-sucedida, poderá relançar a França como um país moderno e competitivo e terá profundos efeitos sobre a vida política e econômica do país. Os partidos políticos tradicionais, como o Comunista, o Socialista, a Frente Nacional (extrema direita) e o Republicano (conservador) foram marginalizados; o debate polarizado entre esquerda-direita ficou superado e emergiu um centro fortalecido. A sociedade civil ocupou amplo espaço, os debates passaram a se concentrar na questão da identidade do país (superando a questão do nacionalismo versus liberalismo) e ficou afastado o receio da saída da União Europeia, presente desde a decisão do Reino Unido. Sobretudo, foi aberta a possibilidade de discussão e aprovação de reformas modernizantes que devem levar a França a recuperar o tempo perdido e a participar com voz fortalecida das grandes questões do século 21.
Na eleição parlamentar houve uma renovação de 75% da Assembleia Nacional e o movimento República em Marcha conseguiu obter a maioria absoluta (361 sobre 577, cerca de 65% dos congressistas). Macron saiu ainda mais forte para tentar aprovar de imediato as reformas prometidas na campanha eleitoral, sem ter de negociar com os partidos tradicionais, o que era impensável até sua eleição.
Não se pode dizer que a França nas últimas décadas tenha sido um país que transmitia a ideia de modernização e de progresso. Ao contrário, cada vez mais conservador, os governos aumentaram os privilégios e vantagens dentro de um Estado de bem-estar social, desenvolveram políticas protecionistas, sobretudo na agricultura, e o país perdeu competitividade, ao mesmo tempo que o mundo se transformava e a Alemanha tomava a liderança política e econômica na Europa.
Qual a nova mensagem que o jovem presidente Macron defendeu nas eleições? Renovação e modernização do Estado, com mudança das regras que balizam a atuação dos diferentes grupos sociais; modificação dos métodos da política; desafio das resistências tradicionais e conservadoras do status quo e, sobretudo, falar a verdade para a sociedade, na defesa das reformas que pretende aprovar nos primeiros cem dias de seu governo.
No tocante à reforma política, o objetivo das ações é a restauração da confiança na vida democrática pela moralização da vida pública, com regras claras e transparentes contra a corrupção.
Na reforma do mercado de trabalho, talvez a mais difícil de implementar, o governo vai tentar flexibilizar as leis trabalhistas para facilitar contratações e demissões (com a eliminação das multas), permitir a negociação direta entre as empresas e os trabalhadores, sem a intervenção dos sindicatos, acelerar as decisões nos processos trabalhistas e reformar o seguro-desemprego.
Na educação, entre outras áreas, são prioridades maior autonomia para os estabelecimento de ensino, maior atenção aos primeiros anos da escolaridade e simplificação da obtenção do diploma universitário (BAC).
A reforma da previdência buscará unificar os diversos tipos de aposentadoria pública e privada, reduzindo os privilégios.
A redução do papel do Estado na economia abrirá espaço para privatizações, como no setor de aeroportos.
Projeto de lei antiterrorismo, reforçando o poder policial e limitando o direito de culto, já foi submetido à Assembleia Nacional.
Na política externa, pelo apoio à União Europeia e pela relação mais dura com a Rússia, e à luz das incertezas causadas pela errática política externa de Donald Trump, os resultados projetam o novo presidente com um dos líderes políticos com mais força.
Apesar do respaldo recebido nas urnas, a aprovação dessas medidas não deverá ser fácil. A reforma do trabalho, em especial, deve sofrer forte oposição dos sindicatos e dos funcionários públicos, que procurarão manter as regras atuais, que tornam a empresa francesa pouco competitiva. A contestação virá das ruas, não do Parlamento.
Dentro desse movimento de reformas, é importante assinalar a emergência da chamada sociedade civil. Para se ter uma ideia do impacto dessa nova visão de governo, Macron, dos 22 cargos de nível ministerial, nomeou 11 fora dos quadros políticos tradicionais, sem experiência anterior de participação em órgãos do Estado. A grande maioria dos parlamentares eleitos pelo República em Marcha é de jovens e o número de mulheres é recorde. Todos sem nenhuma atividade política anterior.
Não posso deixar de assinalar a semelhança da agenda de reformas na França com as prioridades para a modernização do nosso país. A grande diferença é a capacidade de liderança de um grupo que teve a visão de que os partidos tradicionais estavam superados e de que é a verdade que os eleitores querem ouvir. Os candidatos não apresentaram grandes programas de governo, como se vê nas campanhas presidenciais no Brasil, mas uma agenda clara, transparente e bem definida de modernização do país. Os eleitores confirmaram a opção pelas reformas como apresentadas por Macron, dando legitimidade para sua execução.
Vamos trabalhar para que algo parecido possa ocorrer aqui em outubro de 2018.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 27/06/2017
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