*Edmar Bacha e Regis Bonelli
Tentar calcular o potencial de crescimento de um país é uma atividade irresistível para muitos economistas, inclusive para os autores. Recentemente, concluímos um exercício deste tipo para o Brasil.
A trajetória das médias decenais conta uma história aparentemente simples. De 1950 a 1980, o país tinha um potencial de crescimento da ordem de 7-7,5%. Esses valores são superados durante o chamado “milagre econômico” dos anos 1970, mas as consequências nefastas dessa superação vieram logo depois – a crise da dívida externa e a hiperinflação que se lhe seguiu, as quais trouxeram o crescimento da economia brasileira para cerca de 2,5% ao ano – de 1981 até os dias de hoje. Mesmo após renegociada a dívida externa e vencida a hiperinflação, o país não conseguiu superar essa faixa mais baixa de crescimento.
Nessa segunda fase, também houve um “pequeno milagre” de 2004 a 2010, quando o crescimento anual se aproximou dos 4,5%. A reversão se dá a partir de 2011, com uma série de “pibinhos” que trazem o valor da média decenal para 3,2% em 2014. O pequeno milagre se deveu a uma bonança externa que entre 2004 e 2011 premiou o país com um bônus de cerca de 10% do PIB, em termos de alta dos preços das exportações (em relação aos preços das importações) e de entrada líquida de capital estrangeiro. Finda a bonança, restabeleceu-se o “novo normal” sob o qual o Brasil vive há muitos anos – ou seja, um crescimento na casa dos 3% ao ano.
Agora um pouco de economês. Uma forma simples de calcular o PIB potencial é tratando-o como o produto de dois fatores: o número de trabalhadores disponíveis multiplicado pela capacidade de produção de cada trabalhador. Para calcular o potencial de crescimento do PIB, temos que somar a taxa de crescimento do número de trabalhadores com a taxa de crescimento da capacidade de produção por trabalhador.
Estimar o crescimento do número de trabalhadores não é complicado: basta perguntar ao IBGE. Que nos informa que a população adulta (15 a 65 anos) deverá crescer em torno de 0,9% ao ano em média nos próximos dez anos. Recentemente, houve uma queda ainda não explicada na relação entre o número de trabalhadores e o número de pessoas adultas no Brasil. Imaginamos que isso possa ser revertido no futuro próximo e, assim, estimamos que o crescimento do número de trabalhadores nos próximos dez anos será de 1% ao ano.
Agora, a parte mais difícil, o crescimento da capacidade de produção por trabalhador. Ela envolve dois fatores. Em primeiro lugar, a contribuição da expansão do estoque de capital por trabalhador. Quanto mais houver de terra cultivada, equipamentos e estruturas maior será a produção por trabalhador. De 1950 até 2011, há períodos de alta e baixa da contribuição do crescimento do estoque de capital por trabalhador, mas em média esse número é de 1,4% ao ano. Se nos ativermos ao período mais recente, de 2011 a 2014, encontramos o valor de 1,3%. Ou seja, há uma certa normalidade que se mantém ao longo de nossa história. Por isso, supomos que o ocorrido no passado vá se repetir no futuro e teremos uma contribuição do crescimento do estoque de capital por trabalhador para o crescimento do PIB por trabalhador da ordem de 1,3% ao ano nos próximos anos.
O segundo fator que contribui para o crescimento da capacidade de produção por trabalhador é a tecnologia, amplamente entendida. Sementes de melhor qualidade, equipamentos mais modernos, informatização, trabalhadores mais bem educados e melhor treinados, melhor alocação de recursos etc., tudo isso faz com que a capacidade de produção por trabalhador cresça mesmo que a quantidade de capital por trabalhador se mantenha constante. Na experiência histórica brasileira, constatamos que, entre altos e baixos, os avanços da tecnologia contribuíram com cerca de 1% ao ano para o crescimento do PIB por trabalhador entre 1950 e 2011.
Infelizmente, no período mais recente, ou seja, 2011-2014, houve uma involução. É difícil entender por que, mas nesse período a tecnologia, ao invés de avançar, retrocedeu e fez reduzir a produção por trabalhador à taxa de 0,47% ao ano. Algo parecido com isso somente aconteceu durante a chamada década perdida dos 1980; em todos os demais períodos de nossa história, no pós-Segunda Guerra Mundial, a tecnologia contribuiu de forma positiva para o crescimento da produção por trabalhador.
Apenas podemos especular sobre o que terá acontecido. Um fator é que a tecnologia tende a ser pró-cíclica, ou seja, em períodos de expansão econômica há maior incorporação de tecnologia e, em períodos de contração econômica, menor incorporação de tecnologia. Outro componente da explicação do retrocesso tecnológico em 2011-14 deve ser externo – a perda de dinamismo da economia mundial se refletindo numa menor incorporação de novas técnicas na economia nacional. Finalmente, há o impacto das distorções na economia introduzidas pelo excesso de intervencionismo no governo Dilma. Foram muitas as intervenções que distorceram a alocação de recursos e reduziram a produtividade da economia: do controle de preços no setor energético aos excessos da política de conteúdo nacional, do deslocamento dos bancos privados pelos bancos públicos à escolha de campeões nacionais, dos vaivéns da política monetária aos malabarismos contábeis da política fiscal.
É difícil ser otimista quanto ao futuro próximo nessa área. Por um lado, não há sinais de que a economia internacional se fortaleça. Por outro, a reeleição da presidente Dilma pode significar que serão mantidas as políticas econômicas distorcedoras de seu primeiro mandato.
Mas não estamos tratando de crescimento efetivo, e sim de crescimento potencial. Nesse contexto, é possível supor que, ao longo dos próximos dez anos, se restabeleça a trajetória de progresso técnico que caracterizou os sessenta anos anteriores a 2011. Nesse caso, ao 1% de crescimento da força de trabalho e ao 1,3% por cento da contribuição do aprofundamento do capital por trabalhador, devemos agregar mais 1% por conta do progresso técnico. Assim, obtemos uma estimativa para o crescimento do produto potencial brasileiro de 3,3% ao ano na próxima década.
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2014.
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