Na esteira da mais profunda e longa recessão da história, a arrecadação federal caiu ao pior nível em seis anos em 2016. Parte da receita do governo, que somou R$ 1,28 trilhão, é repartida com os estados, como acontece com o Imposto de Renda, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a Cide, contribuição que incide sobre os combustíveis. A escassez de recursos no âmbito federal comprometeu a capacidade do governo de repassar recursos aos estados, que tiveram de usar mais recursos próprios para quitar suas folhas de pagamentos.
A parcela do que os estados arrecadam voltada ao pagamento de gastos com pessoal é um importante termômetro sobre a folga – ou o aperto – financeiro. Para dimensionar a situação de cada unidade da Federação, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) criou três limites. O primeiro é o chamado limite de “alerta”, para os estados que destinam 44,1% de sua receita corrente líquida para gastos com pessoal. O segundo é o limite “prudencial” (46,5%) e o terceiro o limite “máximo” (49%). No ano passado, nove estados terminaram entre os limites considerados “prudente” e “máximo” ou acima do “máximo”. A lista é puxada por Rio de Janeiro (58%) e segue com Rio Grande do Norte (54%) e Minas Gerais (49%).
Dois desses estados, Rio de Janeiro e Minas Gerais, já decretaram calamidade financeira. O terceiro em situação crítica, o Rio Grande do Sul, ficou exatamente dentro do limite de alerta no ano passado, em 44,1%. Nesses três estados, o cenário é tão complicado que o governo teve de parcelar o pagamento de salários para seus funcionários.
A pesquisadora Vilma da Conceição Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), esclarece que, no caso do Rio de Janeiro, o aumento de 33,5% em 2015 para 58% em 2016 se justifica pela interrupção do valor arrecadado com royalties do petróleo. “Na LRF, os gastos com pessoal podem sofrer deduções de receitas extraordinárias para se enquadrarem nos limites propostos, como houve no Rio”, explica. O valor declarado pelos estados, portanto, não representa necessariamente o crescimento ou a redução dos gastos com pessoal. No caso do Rio de Janeiro, o dado recente, de 58%, é muito mais condizente com a real capacidade de se autofinanciar do que o número anterior, mascarado pela receita extraordinária.
A falta de clareza do que pode ser deduzido ou não dentro dos gastos com pessoal apontou para a necessidade de uma atualização da LRF. “Debater a LRF é fundamental. A Fazenda disse que encaminhará um projeto à parte. Não podemos perder isso de vista, pois ela é quem vai dar transparência aos gastos de pessoal”, afirmou a “Época”, no ano passado, a economista Ana Carla Abrão Costa, então secretária da Fazenda de Goiás, hoje presidente do Conselho de Gestão Fiscal da prefeitura de São Paulo.
Desde a criação da LRF, em 2000, muitos estados reduziram consideravelmente a parcela da receita voltada a essa rubrica. Há 17 anos, Minas Gerais comprometia quase 64% de sua receita, enquanto o Rio Grande do Sul empenhava 62%. A seu tempo, a LRF teve um papel fundamental para o equilíbrio fiscal dos entes federativos. Quase duas décadas depois, em um cenário bem diferente dos anos de bonança que a sucederam, ela merece algumas atualizações. Os estados se aproveitaram de anos de crescimento de receita, para ampliar gastos e empréstimos da União, ampliado seu endividamento. Em um momento de recessão, que afeta todo o país e já completa três anos, a conjuntura é totalmente diferente. “Sobreviver a uma recessão por tanto tempo é complicado. Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul escancaram essa insustentabilidade. Outros estados ainda não sentiram o baque, porque foram mais prudentes no passado recente, mas não estão imunes”, diz Vilma.
Fonte: “Época”.
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