O novo governo começou com promessas de maior rigor na política fiscal, continuidade na política monetária e sinais pouco claros sobre a política externa. A presidente Dilma Rousseff consagrou a estabilidade como “valor absoluto” e essa expressão foi repetida pela ministra do Planejamento, Míriam Belchior. O novo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, defendeu a política de metas de inflação e prometeu o máximo empenho no combate à alta de preços. Pela primeira vez em muito tempo, fala-se no governo, claramente, em apertar a disciplina fiscal para reduzir o peso carregado pela política monetária. A presidente mudou o discurso oficial, também, ao insistir no tema da qualidade do gasto e da eficiência do setor público. A ministra do Planejamento declarou ser possível e necessário fazer mais com menos. Prometer maior produtividade no governo é mais que um avanço – é o abandono de um padrão dominante por muitos anos.
Também será mais que um avanço a recuperação da pauta de reformas políticas e econômicas, se as ações prometidas na posse forem concretizadas. Os efeitos serão importantes para a democracia e para a modernização produtiva. A modernização deverá elevar os padrões de competitividade – um tema retomado pelo novo ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. Nesse caso, prevaleceu a repetição. O ministro recitou a ladainha de seu antecessor, apontando os bem conhecidos obstáculos enfrentados pelo produtor nacional ao competir com o estrangeiro. O real valorizado é só uma parte do problema e ninguém no Ministério ignora esse fato.
Como nenhum dos obstáculos foi removido, o valor recorde da exportação, US$ 201,9 bilhões em 2010, é explicável principalmente pelas circunstâncias do mercado. As vendas de commodities – produtos básicos e semimanufaturados – proporcionaram 58,6% da receita (53,9% em 2009). O valor faturado com os básicos foi 44,7% maior que o de 2009. O obtido com os semimanufaturados, 37,1% superior. A receita geral cresceu bem menos, 31,4%. Em dezembro, as commodities estavam bem mais caras que um ano antes: café em grão 37,7%; óleo de soja, 29,1%; açúcar em bruto, 23%; carne suína in natura, 34%; e minério de ferro, 142,2%. São exemplos muito claros. As cotações devem continuar elevadas em 2011, mas não tem sentido, como política, depender do valor dos básicos para o equilíbrio externo.
Isto remete à diplomacia. A China, com seu enorme apetite por matérias-primas e bens intermediários, seria uma grande cliente do Brasil, na fase atual, por mera necessidade, não por causa da estratégia Sul-Sul do Itamaraty. Mas essa fantasia diplomática, somada aos problemas de competitividade, tornou o Brasil dependente, em grau excessivo, da fome chinesa de insumos. Se o País tem hoje uma relação de tipo colonial com alguma grande potência, é, sem dúvida, a relação com a China. Perspectiva de mudança? Por enquanto, a presidente e o novo chanceler prometeram continuidade na política externa, com prioridade para o mundo em desenvolvimento e, de modo especial, para a América do Sul. A importância atribuída à região é compreensível e defensável, se a integração envolver reciprocidade e uma clara definição de objetivos comuns. Isso não ocorreu até hoje.
Especialmente na América do Sul, o Brasil cedeu muito mais que o razoável, nos últimos oito anos, em troca do reconhecimento, nunca realizado, de uma liderança ambicionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto o Brasil cedeu, a China e outros concorrentes conquistaram espaços na região. A política em relação aos Estados Unidos foi um desperdício de oportunidades. Os Estados Unidos, é bom lembrar, ainda são, ao contrário da China, um importante mercado para manufaturados brasileiros.
Talvez a presidente e o novo chanceler estejam dispostos, embora sem dizê-lo, a ponderar todos esses fatos. Talvez o novo ministro de Relações Exteriores esteja inclinado a desenterrar as melhores tradições do Itamaraty. Talvez ambos alterem o rumo. Se não o corrigirem, o País continuará sendo o bobo da corte global, representado por uma diplomacia falastrona e sem noção de interesses nacionais. O único sinal de mudança, até agora, foi em relação aos direitos humanos. A presidente Dilma Rousseff deverá recusar apoio à execução de mulheres acusadas de adultério. Poderá recusar, talvez, manifestações de simpatia a alguns tiranetes obviamente sanguinários. Mas falta saber muito mais: continuará devolvendo atletas cubanos à ditadura de Havana, abrigando fugitivos da Justiça de países democráticos, apoiando na vizinhança aspirantes a ditador e aceitando seus desaforos?
Fonte: O Estado de S. Paulo, 05/01/2011
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