O Brasil se tornou refém das más escolhas institucionais que fez no campo da segurança pública. O motim do Espírito Santo, as chantagens da polícia militar do Rio de Janeiro, a profunda crise penitenciária, a inexistência de investigação para a vasta maioria de crimes e mais de 1 milhão de homicídios nas últimas três décadas constituem a prova cabal de que o nosso modelo se encontra completamente esgotado.
O que está aí não é bom para a sociedade, para os governantes, nem mesmo para os próprios policiais. Os únicos beneficiários são os criminosos, os maus policiais, muitos deles no mercado da segurança privada, e políticos proxenetas, que exploram o medo em troca de votos.
Pesquisa da FGV (Fundação Getulio Vargas) e do FNSP (Fundo Nacional de Segurança Pública), com mais de 10 mil policiais de todo o Brasil, dá um retrato de policiais desmotivados e amedrontados. Diz o anedotário que quando policiais civis foram pedir melhores condições de trabalho ao governador Adhemar de Barros ele teria respondido: “Vocês têm armas e distintivo, para que precisam de aumento?”. A corrupção e o bico transformaram-se em componentes intrínsecos da atividade policial. Hoje, 75% dos policiais mortos em combate são abatidos fora de serviço.
A militarização da polícia não se demonstrou minimamente eficaz para manter a integridade da tropa ou sua ordem. Difícil encontrar uma chacina que não tenha envolvimento de policiais militares.
Por outro lado, impedidos de fazer greve, dentro de limites impostos pela lei a serviços públicos essenciais, empregam o caos como mecanismo de reivindicação.
O presidente da República parece estar procurando um ministro da Justiça que o “ajude a salvar o Brasil”. Um bom começo seria que o próximo titular tivesse a missão precípua de reformar e modernizar as polícias e nossa política criminal.
A degradação crônica da segurança pública, o estado de anomia a que parcela da população se encontra submetida, além da enorme contribuição do Estado ao crime organizado oferecida por uma política de encarceramento indiscriminado e em massa, colocam cada vez mais em risco nossa democracia. O recurso às Forças Armadas, que está se banalizando, não é apenas ineficaz e arriscado, pois militares não são treinados para realizar policiamento da população, como coloca em xeque a sua integridade. Em todos os lugares do mundo onde foram convocadas a combater o crime, as Forças Armadas saíram corrompidas.
A modernização das polícias brasileiras passa pela quebra dos grandes interesses corporativos, que apenas favorecem seus extratos superiores. Precisamos criar unidades menores de polícia, ao menos nas grandes regiões metropolitanas, compostas por policiais de diferentes formações técnica e profissional, em carreira única, bem preparados e remunerados. Essas unidades deveriam ser de ciclo completo, sendo responsáveis pela prevenção, investigação, inteligência, planejamento e integração com a comunidade. O governo federal precisa expandir a Força Nacional de Segurança, para que governadores não se encontrem sempre reféns de suas polícias. Por último, é necessário criar um Conselho Nacional de Polícia, nos moldes do CNJ. Sem que as polícias se vejam limitadas e respeitem a lei, jamais merecerão a confiança da população. E sem essa confiança, nunca serão minimamente eficientes.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 18 de fevereiro de 2017.
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